Ana Paula Gualberto fala sobre sua vida pessoal, vivência na cultura Hip Hop e muito mais em entrevista exclusiva

Ana Paula Gualberto fala sobre sua vida pessoal, vivência na cultura Hip Hop e muito mais em entrevista exclusiva
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A cultura do Rap – assim como a do Hip Hop como um todo – envolve muita gente além de quem está no microfone ou numa produção musical. É claro que existe todo um pessoal por trás de tudo isso que também faz toda essa engrenagem funcionar.

Ana Paula Gualberto sem sombra de dúvida é uma delas. Há mais de 10 anos dedicando seu tempo de vida a cultura Hip Hop, atua em diversas frentes. Possui experiência e bagagem no que envolve a produção cultural. Ajuda diversos artistas e produtores, principalmente vindos das periferias e ampliarem seus espaços de atuação. 

É uma das fundadoras e coordenadoras do Leopoldina Hip Hop. Também conhecido como LH2, é uma plataforma multilinguagem que auxilia no impulsionamento de artistas periféricos que estão iniciando suas carreiras profissionais, através da ocupação de espaços públicos. Além disso, o LH2 conta ainda com outros canais que permitem a participação de produtores, pessoal do graffiti, comunicadores e muito mais.

Em uma entrevista de capa exclusiva, a RAPGOL Magazine traz um bate-papo bem honesto e sincero com a produtora, abordando assuntos como a sua ligação com o Hip Hop e sua trajetória profissional. Falou ainda sobre o LH2, a questão dos editais da área da cultura para obtenção de recursos e também um pouco sobre conciliar tudo isso com a maternidade e muito mais.

Confira abaixo.



RAPGOL Magazine – É um prazer pessoal imenso podermos realizar essa entrevista.

Poderia começar contando para quem ainda não conhece quem é a Ana Paula Gualberto e de onde ela vem?

Ana Paula GualbertoAna Paula Gualberto é a filha caçula de 4 filhos da Dona Lucia. Mãe da Ana Elize, ex-pichadora e produtora cultural. Moradora de Irajá, zona norte do RJ, apaixonada por causas, coisas e pessoas (nem todas), anticapitalista e que tenta sobreviver tendo a arte e a cultura como válvula de escape às mazelas do mundo.

RAPGOL Magazine – Há quanto tempo praticamente você dedica sua vida à cultura do Hip Hop?

Ana PaulaO Hip hop fez parte da minha vida desde muito cedo, mas não com tanta proximidade quanto hoje. Minha família tem um histórico de atuação e militância no movimento negro e social, que de alguma forma foi por onde eu cheguei ao hip hop.

Quando eu começo a fazer eventos em 2012 eu já trago essa vertente de maneira mais forte, mas sem dúvida foi com a criação do Leopoldina Hip Hop que eu me jogo de cabeça nisso.

RAPGOL Magazine – Como foi seu início, seu ponto de partida dentro desse universo?

Ana PaulaConsidero que foi a pichação, que me aproximou primeiro do graffiti e, posteriormente, do rap. 

RAPGOL Magazine – Quais você poderia apontar como os seus maiores desafios e obstáculos até aqui?

Ana PaulaBom, a gente tá falando de um movimento que tem sua origem na ocupação da rua, um espaço historicamente hostil para as mulheres. Nesse sentido, desde a pichação, me fazer ser respeitada enquanto mulher sempre foi desafiador.

No âmbito da produção cultural, pesa ainda mais o fato de ser negra: na real ninguém tá acostumado a ver mulheres negras em posições de liderança, sempre rola um estranhamento

RAPGOL Magazine – Quais são as suas grandes referências musicais?

Ana PaulaDentro do movimento hip hop brasileiro, é sagrado Racionais, MV Bill, Sabotage… também curto muito o corre do GOG. Na gringa é Lauryn Hill certamente.

Agora na música de modo geral eu sou eclética à beça, então eu vou falar de Gilberto Gil e Simonal, mas deixo escapar que curto Belo e Detonautas. Da galera mais atual, eu curto bastante a Luedji Luna e a Larissa Luz, e do rap especificamente, a Bivolt e a Cristal.

RAPGOL Magazine – Você atua como produtora cultural. Como é o seu dia-a-dia nessa área de atuação?

Ana PaulaEscrever projeto e passar raiva! (gargalhadas) 

O que eu curto da produção cultural é que todos os dias são diferentes. Mesmo quando a gente fala de projetos contínuos, nada nunca é igual. É bom salientar que produtor cultural pode atuar em diversos setores. 

Eu, por exemplo, sou especializada na produção executiva, mas tem produtor cultural da parte artística, de captação de recursos… É uma área muito abrangente. Se for falar profundamente do que é atuar na produção vai faltar linha aqui, (risos)

RAPGOL Magazine – Você integra ainda o coletivo Resistência Cultural. Quando foi fundado, qual o propósito e como é a vivência diária entre você e os demais participantes?

Ana Paula – O Resistência Cultural tem 10 anos de atuação, e a ideia é basicamente ampliar os espaços de atuação de iniciativas artísticas das regiões de periferia. Criar redes entre os artistas, os produtores, articuladores culturais, projetos, espaços, de modo que essa galera que normalmente não tem tanto espaço nas programações artísticas destes lugares passem a ter algum protagonismo.

RAPGOL Magazine – Gostaria de falar um pouco sobre o Leopoldina Hip Hop, uma plataforma multi-linguagem disseminadora dessa cultura que este ano completa 06 anos de existência. Reúne não apenas MCs, DJs e beatmakers, como toda uma galera que faz tudo isso acontecer por trás. Como começou tudo isso, como funciona e o que tudo isso representa pra você?

Ana PaulaEntão, o LH2 é como se fosse um recorte da missão do Resistência Cultural com um foco específico na cultura hip hop. No caso, eu e Nyl  enxergamos que a dinâmica da Arena Dicró poderia nos favorecer nesse sentido, e conseguimos realizar algumas experiências até o Leopoldina Hip Hop chegar ao que é hoje.

Às vezes a gente consegue dar uns empurrõezinhos legais, tem uma galera braba que passou pelo projeto no início de carreira e agora tá aí ganhando o mundo. Mas em síntese, a gente entende o LH2 como um projeto de impulsionamento para quem está começando.

Acaba que como a gente tem sangue no olho, vai fazendo outras coisas, então já rolou conteúdo audiovisual, podcast… Mas na minha perspectiva, para além de uma plataforma multi-linguagem, o Leopoldina Hip Hop é um trampolim. 

Foto – Ingrid Lima

RAPGOL Magazine – A sua curadoria para os eventos tem reunido muita gente talentosa. Existem critérios para suas escolhas?

Ana Paula Acho que o principal critério que utilizamos na curadoria para o LH2 é a admiração

Procuramos fazer uma pesquisa que vai considerar a questão territorial, sem dúvida,mas além disso, a gente quer poder oportunizar pessoas que são talentosas e que ainda não estão sob os holofotes da grande mídia, seja por qualquer motivo. E muitas vezes esse motivo tem a ver com racismo, lgbtfobia, machismo…

Outro critério que a gente usa tem a ver com identificação: a gente quer ver gente igual a gente no palco! 

RAPGOL Magazine – O Leopoldina Hip Hop conta ainda com o LH2 PODE! Um programa em formato de podcast que já convidou diversas personalidades da cultura hip hop. Como você analisa esta primeira temporada?

Ana PaulaO LH2 Pode! foi um presente pra mim. Quando pensamos em fazer, nossa ideia era a de dar espaço para quem está por trás do fazer artístico pudesse ser visto e ouvido. 

Todo mundo que faz parte do Resistência Cultural tem noção da importância dos profissionais que fazem o rolé acontecer fora do palco, e o “LH2 Pode!” foi a oportunidade que tivemos de colocar uma luz nessa galera. 

Sem contar que a gente conseguiu trazer nomes que tem uma história muito bacana no movimento hip hop carioca, pessoas que são referências para o que estamos fazendo nesses cinco anos. 

Cá entre nós, eu já comentei com a rapaziada que, se tivesse que escolher entre o evento e o podcast, eu preferia fazer o podcast. Eu me diverti muito conversando com quem participou, e tô na luta pra conseguir viabilizar financeiramente uma nova temporada em breve.

RAPGOL Magazine – A cena  Hip-Hop se renova a cada dia, quem você considera uma revelação dentro da cultura e quem merece maior atenção por parte do público em geral.

Ana PaulaBom, como eu falei, a gente do Resistência Cultural e do LH2 costuma colocar o foco em quem não tem tanto espaço. Considerando isso, duas minas brabas que estão na cena a algum tempo e que merecem ter um olhar mais cuidadoso são Afrodite BXD e Flow Nzinga

O Nochica eu falo por onde passo pq sou fã pra caralho desse mano, quero ver ele rico! E obviamente, meu irmão de outras vidas, meu sócio e parceiro, Nyl MC. Da galera que já está consolidada mas que eu curto muito o trampo é o Major RD, acho ele muito diferenciado.

RAPGOL Magazine – A cultura do futebol e o sportlife em geral está intimamente ligada com o Rap e o Hip Hop em geral. Como você enxerga essa relação não só com o Hip Hop, mas como no cotidiano de quem vive nas favelas e periferias?

Ana PaulaAcho que esse lance da cultura esportiva tem um simbólico relacionado a acesso, recurso financeiro. Acredito que essa é a ligação forte: desde que eu curtia baile de corredor, novinha na década de 90, os tênis, as camisas de times de futebol, os bonés das equipes da NBA traziam um pseudo-status a quem estava usando, e continua sendo isso. Seria o significado material de ser bem sucedido. 

Não que eu concorde com isso, mas é como o senso comum reage sobre este “life stile”. E aí pouco importa se tamo falando de quem é da correria ou do crime: os símbolos do sucesso são os mesmos pra quem é da periferia

RAPGOL Magazine – Qual o time do seu coração, e porquê?

Ana PaulaEu sou flamenguista desde sempre, por influência da minha família. De uns tempos pra cá algumas questões da gestão atual têm me feito torcer o nariz pro Flamengo, mas até o momento a paixão tá falando mais alto. (risos)

RAPGOL Magazine – Existe algum momento do futebol que jamais vai sair da sua cabeça?

Ana PaulaFinal do Carioca de 2001, gol do Pet, e virada do Flamengo na final da Libertadores 2019. Curiosamente, nos dois jogos eu estava assistindo sozinha. Também vai demorar pra esquecer a lapada que o Fluminense deu no Flamengo na final do carioca desse ano. (risos)

RAPGOL Magazine – Quais são as suas camisas de time prediletas?

Ana PaulaCara, eu sou geminiana, mudo de opinião fácil e rápido. Era mais fácil tu me perguntar qual a camisa mais bonita desse ano. (risos)

Os lançamentos do Vasco e Fluminense dos últimos três anos vêm chamando minha atenção, mas se for colocar num lugar clássico, o vermelhão Liverpool tira onda.

RAPGOL Magazine – Quais são os seus atletas favoritos?

Ana PaulaTenho muita dificuldade de separar artista da obra, então minha admiração não tem a ver só com a prática desportiva. Eu sempre considero um conjunto de coisas. 

Nesse sentido, no meu ranking tem Lebron James, Usain Bolt, Serena Williams, Lewis Hamilton… No futebol eu virei fã do Juninho Pernambucano, mas depois que ele parou de jogar rs. Tb gosto mt do Vini Jr.

RAPGOL Magazine – Vocês contam com recursos públicos para dar vida ao trabalho desempenhado. Como funciona o esquema dos editais para adquirir recursos para os projetos culturais?

Ana PaulaA questão de concorrer com editais tem a ver com organização: conforme você organiza e sistematiza os projetos que está envolvido, fica cada vez mais fácil cumprir as regras dos editais e, consequentemente, aumentam suas chances de ser contemplado.

Também é por isso que pra nós é importante enxergar a passagem dos artistas pelo Leopoldina Hip Hop como um processo de formação: é fundamental que o artista tenha conhecimento de como se organiza um portfólio, que tenha fotos de divulgação do seu trabalho, que conheça equipamentos e recursos de modo a compor seu rider técnico. Tudo isso ajuda na hora de concorrer a um edital. 

Atualmente tem plataformas e perfis em redes sociais especializados em divulgação de editais públicos e privados, e também que prestam consultoria para escrita de projetos. Deixo aqui como indicação pra galera o NAProcult, um grupo de extensão da UFRJ coordenado pela professora Marize Figueira que faz as duas coisas.

E pra galera ficar ligada: vem aí as Leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc 2. Serão boas oportunidades.

Foto: Barbara Martins

RAPGOL Magazine – Recentemente você deu à dar luz a uma menina linda. Com tem sido conciliar os trabalhos com a maternidade?

Ana PaulaComplicado (risos). A sociedade é bem cruel com a maternidade, a impressão que temos é que cuidar de uma criança é “fazer nada”, traz uma sensação de estar sendo inútil, quando na real a gente vira tudo pra um serzinho que só vive por nossa causa. 

No início foi bem esquisito me reconhecer como mãe e entender que o ritmo de tudo precisava respeitar o tempo da Ana Elize, que ela deveria ser a prioridade. E o resto do mundo insiste em ignorar isso também. Curiosamente os trabalhos que eu estava envolvida com mulheres foi o que mais tiveram resistência sobre esse entendimento.

Por outro lado, ser mãe foi fundamental pra me trazer uma perspectiva individualista que me faltava enquanto produtora: eu trabalhava muito pensando no conforto de quem tava a minha volta, e isso muitas vezes me deixava desconfortável. 

Agora eu consigo me colocar como prioridade, não por mim, mas pela minha filha. E isso tem sido ótimo, porque eu consegui perceber quem é de verdade.

RAPGOL Magazine – Qual a dica ou conselho você pode dar para os artistas que estão começando ou vindo de baixo agora e desejam fazer conexão com o LH2?

Ana PaulaQuem tiver interesse em conhecer melhor o nosso projeto, ou se apresentar em alguma das nossas edições, entre em contato através das nossas redes sociais ou mandem seu material de trabalho por email: leopoldinah2@gmail.com

RAPGOL Magazine – Quais são os planos para este ano?

Ana PaulaEm 2023 eu vou dar um passo almejado a muito tempo, que é um projeto exclusivamente de mulheres ligado ao rap. É provável que a partir dele tenhamos algum desdobramento, inclusive para edição de 6 anos do LH2, mas por ora é só isso que temos. Permanecemos vigilantes às oportunidades

RAPGOL Magazine – Qual mensagem você gostaria de deixar para quem leu essa entrevista até aqui?

Ana PaulaArtista não é só quem está nas grandes mídias e festivais. Discursos como “A Favela Venceu” e “Pretos no Topo” são fabricados pra gente acreditar que não estamos trabalhando o suficiente pra chegar em locais de destaque. 

Nosso trabalho coletivo precisa ser do reconhecimento e valorização da classe artística como trabalhadora, porque ninguém vive sem arte, seja ela qual for.

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