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Editorial “Dona Flor e Suas Duas Camisas” por Vitor Lopes

por CRIAA · 23 de outubro de 2025

por Vitor Lopes.

A inversão da moda começa nas ruas de São Paulo

✨ “Ela veste camisas desenhadas na Inglaterra, costuradas na Ásia e vendidas no Brasil…”

Essas peças atravessaram continentes e classes sociais até reaparecerem no corpo de quem nunca foi considerado no design, nem nas campanhas.
O que acontece quando a moda perde o controle da sua própria história?
Quando a peça escapa das lojas e dos desfiles e vai parar no corpo de quem deveria apenas assistir isso de longe?

Uma inversão.

A menina da Zona Leste que cruza São Paulo com as tradicionais camisas da Premier League marca o momento em que as peças passam a contar novas histórias, ocupando lugares fora dos roteiros das marcas. É nesse sentido que propomos um brinde a quem veste, não a quem desenha.

E quando uma revista consagrada decidir fotografá-la e chamar isso de “new brazil aesthetic” ao invés de um fotógrafo de Mauá, a inversão estará completa.
Seremos nós ditando as regras ao centro.
E a moda, enfim, encontrará seus verdadeiros criadores.


💭 A moda como campo de disputa

O projeto “Dona Flor e Suas Duas Camisas”, criado por Vitor Lopes e Sabrina Kaoara, nasce de uma provocação direta ao sistema da moda.
A indústria global sempre determinou quem veste, quem deseja e quem pertence — mas nas bordas de São Paulo, o tecido da história está sendo reescrito.

Quando uma garota da Zona Leste sai de casa com uma camisa do Arsenal, não está só usando uma peça esportiva: está ressignificando um símbolo de elite, transformando o que era uniforme europeu em linguagem de rua, em estilo brasileiro.

“Quem realmente cria moda hoje?” — é a pergunta que guia o editorial.


📖 Jorge Amado e as duas camisas

O título é uma referência direta a “Dona Flor e Seus Dois Maridos” (1966), de Jorge Amado — uma história sobre dualidades impossíveis.
Aqui, a metáfora se traduz em duas camisas:

👕 A primeira representa a moda controlada — criada em escritórios europeus, costurada na Ásia, vendida no Brasil.
👕 A segunda é a moda popular — reinventada quando cai no corpo de quem a veste com outra intenção.

A primeira é desejo; a segunda, resistência.
E como Dona Flor, a nova geração quer viver as duas ao mesmo tempo: o luxo e o improviso, o global e o local.


📍 A geografia da invenção

Longe dos holofotes, regiões como ABC Paulista, Zona Leste e Mauá se tornaram laboratórios criativos espontâneos.
Ali, o estilo não vem de editoriais de revista — nasce da rua, da gambiarra, da urgência.

As camisas da Premier League chegam por brechós, camelôs, trocas e presentes.
Mas no corpo periférico, elas ganham outros sentidos:

  • Viram peças de afirmação estética, não de torcida.
  • São combinadas com saias, correntes, saltos, mochilas escolares.
  • Atravessam gêneros, classes e fronteiras.
  • Representam pertencimento e autoria.

O que antes era consumo se torna criação.


💪 O corpo que não estava no briefing

As marcas sempre imaginaram seus consumidores ideais: magros, brancos, urbanos, conectados.
Mas o corpo que veste uma camisa do Manchester United em Mauá ou Sapopemba não faz parte do briefing — ele redefine o briefing.

Esse corpo feminino, negro, periférico desobedece ao roteiro da moda e cria outro.
E essa desobediência é o que o editorial celebra: o gesto de vestir como ato político e criativo.

“A moda não é feita por quem desenha, mas por quem reescreve o sentido das peças ao usá-las.”


📸 O olhar de dentro

O projeto não foi feito em estúdio.
Não há casting, maquiagem de marca ou locação controlada.
A escolha é documental: fotografar quem já veste, onde já veste, como já veste.

É moda sem invenção — porque a invenção já está acontecendo nas ruas.
A lente de Vitor Lopes e o styling de Sabrina Kaoara não interferem: apenas registram o que o mercado ignorou por décadas.


🌍 A inversão anunciada

Mais cedo ou mais tarde, uma revista internacional vai chamar tudo isso de “new brazilian aesthetic”.
Vai transformar o que já existe nas ruas em tendência global.
Mas o movimento “Dona Flor e Suas Duas Camisas” antecipa essa apropriação: ele diz — nós já sabemos quem somos.

A periferia não quer ser descoberta.
Quer ser reconhecida.


🎨 Moda como identidade coletiva

O editorial propõe uma nova gramática visual da moda brasileira — sem tradução, sem curadoria estrangeira.
Ele é manifesto, documento e convite.
Um chamado para que fotógrafos, stylists, escritores e criadores periféricos reconquistem a narrativa sobre suas próprias estéticas.

“Brindemos a quem veste, não a quem desenha.”


💬 Por que isso interessa?

Porque o futuro da moda brasileira não está nas passarelas — está nas ruas.
Porque os corpos que nunca foram convidados agora estão assinando a história com o próprio estilo.
E porque reconhecer isso é o primeiro passo para uma revolução estética que já começou e não tem volta.

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