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Emicida retorna às origens em fase racional com “Mesmas cores e mesmos valores”

por Gabriela Torres · 10 de dezembro de 2025

Uma sala de vidro abriga clássicos da Filosofia e Literatura da estante ao chão. O registro introspectivo é assinado por Walter Firmo; expoente da fotografia reconhecido por seus trabalhos entre grandes figuras do samba, e estampa a vitrine da volta ao começo de Leandro Roque: Mesmas Cores e Mesmos Valores é o novo álbum de estúdio de Emicida, e carrega consigo sua relação de gratidão ao movimento Hip Hop, os impasses da vida e da morte, a denúncia do racismo e a introspecção do jovem negro e nerd que encontrou nas palavras um novo significado para a vida de uma nova geração de devotos ao RAP.

O anúncio é feito em um cenário complexo de luto após a morte precoce da mãe, Dona Jacira, e introduz o ouvinte com a faixa “saudade em modo maior”, com mais de oito minutos. A música carrega áudios da mãe desenvolvendo sobre sua relação com a escrita, semelhança valiosa que carregou com o filho. 

“O que noiz faz com essa dor?”

Poéticas em interlúdios ambientam a narrativa reflexiva do álbum e caracterizam o seu próprio processo de produção, nascido entre pássaros e o silêncio luminoso da madrugada. A Dialética, um método desenvolvido pela Filosofia que estuda a vida e o mundo através do movimento, é explorada através da contradição entre a lama e o lótus – com o primeiro sendo essencial para que a flor desabroche a sua beleza na noite. As relações que moram entre o amor e a luta, a compreensão e o perdão encontram um Emicida maduro, que revisita suas memórias e suas lágrimas. 

Enquanto materializa dilemas e um retorno ao passado, o álbum se consolida como uma das mais importantes interlocuções da história do RAP brasileiro, dialogando diretamente com o álbum “Cores e Valores” dos Racionais MCs. A faixa “A mema praça” reconta a história sob a perspectiva de Emicida, Projota e Rashid, presentes na plateia durante o show dos Racionais MCs na virada cultural em 2007 que acabou em violência policial na praça da Sé, “fui ver quatro gênios e ganhei lacrimogênio”. O Emicida “freestyleiro” joga com referências clássicas do grupo (“Até Jesus Chorou naquela praça”) e carimba sua denúncia contra o racismo com menções de levantes do último período contra o genocídio (“30 mil George Floyds em potencial”). 

As alusões ao quatro negros mais perigosos do Brasil continuam em “Us memo preto zica”, que costura narrativas entre as principais obras e versos de Racionais MCs. Um coral de crianças com palmas repetem o refrão clássico “preto zika, truta meu, disse assim, ih truta, mó fita, truta meu disse assim (…)” 

Em “Quanto vale o show memo?”, Emicida recupera o ponto de vista de sua adolescência, com a memória de um pai, que ouvia Racistas otários, e deixa o RAP como legado em sua partida. Aqui, o rapper coloca os violinos a serviço de Cassiano, com o famoso sample de “Castiçal” utilizado em “Eu te proponho” dos Racionais, e cria uma ginga com a identidade nacional negra, nascida não só com Tupac, mas através de Soweto, Xuxa, narrando o tererê e as trancinhas coloridas que enfeitaram as crianças pretas dos anos 90 e 2000. 


Leandro Roque (40) é considerado hoje um dos 80 artistas mais criativos do mundo. Iniciou sua trajetória no RAP através de batalhas de rimas nas periferias da capital paulista e se consolidou como um dos principais escritores brasileiros contemporâneos. Recebeu, no último sábado, o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mas chancela seu lugar de autoridade nas ruas com Emicida Racional VL2. – Mesmas Cores e Mesmos valores, harmonizando arranjos de metais e cordas em narrativas nostálgicas entre colagens e scratches de Dj Nyack. O novo projeto encontra o espaço fértil que existe entre o autêntico e o clássico, identidade já conhecida entre os fãs do artista.

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