Conheci o trabalho da Fernanda Souza aka CorreRua em 2021 com algumas fotos de baile que ela frequentava, essas fotos acabaram repercutindo bastante entre minha bolha e eu fiquei impactado com seu trampo.
Fernanda é correria e está nas ruas diariamente trazendo conteúdo exclusivos para o movimento hiphop e principalmente o funk que é onde ela habita e tira de letra cada oportunidade gerada por ela mesmo. Diretamente do Grajaú, periferia da zona sul de São Paulo, mas a artista é do mundo, recentemente esteve Londres, Paris, a convite da Lacoste, na qual também já fez alguns trabalhos especificos para a marca e você confere mais detalhes no decorrer da entrevista.
Fernanda CorreRua é diretora criativa, fotógrafa analógica, consultora e estilista.
Já participou de série da Paramount+ intitulada “Funkbol” que contou com nomes como Gabigol, Mc Hariel, MC Guime, entre outros. É consultora na série “Sintonia” da Kondzilla que acaba de ir ao ar sua quarta temporada na plataforma da Netflix. Além de inúmeras exposições em lugares fechados e na sua quebrada, Fernanda arrumou um tempinho e trocou um bate papo muito firmeza conosco, confira abaixo.
RapGol Magazine: Salve Fernanda aka CorreRua, obrigado por topar esse bate papo, uma honra estar falando contigo, tudo bem?
Fernanda CorreRua: Olá RapGol, tudo ótimo, desculpe a demora para conceder essa entrevista.
RapGol Magazine: Tranquilo Fernanda, todo tempo do mundo pra ti. Aqui a gente sempre prefere iniciar a conversa com o início de tudo… Você sempre gostou de fotografia?
Fernanda CorreRua: Desde criança eu sempre gostei de arte no geral, por causa da família e da quebrada. Fotografia eu comecei me interessar na pré-adolescência/ transição do fundamental para o ensino médio por causa do hip-hop. Aliás, eu sou funkeira mas o hip-hop foi e continua sendo responsável por minha consciência política e interesse pelo audiovisual.
RapGol Magazine: Como era a Fernanda Souza na escola?
Fernanda CorreRua: Na escola eu sempre colecionei problemas! Desde que me entendo por gente… Eu sempre fui lida como pra frente, briguenta e bagunceira porque eu sempre questionei tudo, sempre queria debater e nunca ficava quieta no lugar. Tem um episódios que não saem da minha cabeça como o dia que minha avó me bateu da escola até em casa(tenho trauma) porque a professora que não identificou que eu tinha um grau alto de hiperatividade, chamou meu pessoal pra reclamar que eu não deixava as outras crianças aprender, até me laudarem eu apanhei muito por isso ou dia que expliquei Jesus Chorou semioticamente no terceiro ano do ensino médio(me tornei muito mais respeitada). Bom, além de pra frente porque eu peitava e andava com meninos eu era lida como briguenta, uma vez na oitava série um menino falou que Nike Shox não era coisa de menina, eu arrumei mo bololô por causa disso… Tinha o lado nerd, pessoal me achava inteligente porque como eu discutia sobre tudo, eu buscava saber das coisas.
RapGol Magazine: Fotografia hoje está cada vez mais digital, como você consegue se manter firme com fotografias analógicas? Qual é o maior obstáculo por seguir esse caminho?
Fernanda CorreRua: Eu gosto de tecnologias antigas, comecei fazer analógica porque ela treina meu olhar pra um momento sem edição, somente memória. Aliás, a analógica se tornou minha ID, eu me esforço pra manter e todos entenderem que é minha linguagem, minha arte. Eu não inventei tirar foto de baile funk e nem a fotografia analógica, mas registrar o baile de analógica foi minha construção de identidade, geral sabe que eu faço essa loucura hahahaha. Não ganho dinheiro com minha fotografia, eu tiro foto do baile funk e suas linguagens porque eu gosto! Acabo que ganho a vida como Diretora Criativa. O desafio é a grana. Caro pra caralho.
RapGol Magazine: O que eu mais gosto do seu trabalho é o quanto ele é representativo ao que realmente acontece em cada quebrada ou baile, a gente sabe que o Instagram e o preconceito derruba fotos com bebida/drogas, esses momentos de lazer de uma comunidade você também tem registros?
Fernanda CorreRua: Tenho várias fotos assim, ditas polêmicas, mas eu nunca as postei e nunca as postarei. Primeiro porque entendi e assumi o meu papel enquanto artista de positivar o movimento, mostrar as coisas incríveis e códigos importantes do funk, já que as paradas que criminalizam é só ligar na band ou acessar o G1. Em segundo, porque eu acredito que elas podem servir pra alguma coisa sim, pra debater e girar informação entre o movimento, mas na internet vai atrair vários curiosos má intencionados, problemas de casa nos resolve em casa rssss. E por último, eu não posso submeter pessoas a essa exposição! Sem contar que me expõe tb, eu ainda moro na quebrada, qualquer fita pros bota meter o loko em mim, é fácil.
RapGol Magazine: Hoje temos vários fotógrafos e pessoas cada vez mais interessadas por essas artes, mas a autenticidade de cada um que faz o trampo ser diferente, você é muito autêntica. Como se manter autêntica e única em pleno 2023?
Fernanda CorreRua: Acho que gelei né? Encontrar sua ID. Ser criativo em cima do que já existe. Exemplo, eu não inventei o editorial de moda e nem usar Oakley em trabalho de moda. Mas, eu encontrei nesse rolê uma perspectiva e tipo de linguagem não explorada… deu certo. Bati na Glamour Brasil e na importante personalidade de moda pra nós como a Suyane, mas também na SobreFunk e nos drake da favela.
RapGol Magazine: Nós somos um site que fala de rap, mas também de futebol. E o seu trabalho tem tudo a ver conosco, conta pra gente, que time você torce?
Fernanda CorreRua: Eu torço pro Timão! Eu aprendi a ler escrever por causa do Corinthians. Meu pai me alfabetizou lendo a escalação, as manchetes e os nomes dos jogares.
RapGol Magazine: Você frequenta estádio?
Fernanda CorreRua: Eu frequento sim a Arena e os campos de várzea.
RapGol Magazine: Qual sua melhor lembrança sendo torcedora do Corinthians? (Pode ser um título, um momento familiar)
Fernanda CorreRua: A Libertadores me marcou hein! Foi chave demais a tensão na escola/na quebrada kkkkkkk Slc
RapGol Magazine: Quais as 3 camisetas de time que você acha mais chave?
Fernanda CorreRua: A do Inter de Milão usada por Adriano, todas da Nigéria (mas principalmente a de 2010) e do Vai ou Racha, time de Várzea do Ipiranga.
RapGol Magazine: Vimos que você está com um projeto chamado “As Minas No Futebol De Quebrada”, quer contar um pouco sobre e divulgar aqui? fique à vontade.
Fernanda CorreRua: Nao é um projeto pontual. É um formulário pessoal para deixar catalogado nomes e narrativas para trabalhos quando eu precisar. E também quando alguém quiser indicação, eu posso mandar o forms pra ver se tem alguém lá que se encaixa no que procuram. É meio que uma rede de apoio pra nós minas.
RapGol Magazine: Legal… agora voltando pra música. Você vem do movimento funk, onde é marginalizado até hoje. Como você vê os olhares para a cultura hoje e principalmente para você?
Fernanda CorreRua: vou te definir hoje: “Todo mundo quer uma fatia do bolo/vários cosplay, mas lá atrás corria de nois” fazia meme dos rolezinho ou zuava na escola. Comigo seja quem for, eu tô esperta, já dizia a Tasha e Tracie “nois vai ser sempre drake diferente dessas(desses ) fraude”.
RapGol Magazine: Acredito que você deve passar por algumas situações chatas, devido o lugar que você frequenta seja dominado por homens. Em pleno 2023 você ainda tem que provar algo pra alguém que por algum motivo venha diminuir sua correria e trampo?
Fernanda CorreRua: Oxe pra caraiho, embora um pouco menos, mas ainda sim necessário. Pros mano do movimento que eu manjo e posso desenrolar no audiovisual ou nos baguio de funk tanto quanto os parceiros deles( só olhar os backstage e as equipes dos funkeiros, conta quantas mina) e também no espaço de poder da moda/fashion/marcas, mostra que entendo e estou estudando sempre pra entregar com excelência campanhas ou editoriais. Às vezes eu sei que me tiram de raivosa ou briguenta, mas eu sou leoa d+, nunca aceitei pouco pra mim e pros meus. Mas agora eu tô fazendo até consultoria pra aprender brigar pelos direitos de forma mais organizada e “bonita” porque senão eu perco oportunidades, mas minha vontade sempre é “aí vc tá me tirando hein” kkk
RapGol Magazine: Em um passado não muito distante muitas marcas eram contra a associação da imagem delas com a periferia, você tem visto alguma mudança nisto?
Fernanda CorreRua: Tenho, claro. nós briga/boicota. Além disso, ninguém é bobo. As marcas são obrigadas a se associar pra lucrar tb, ce acha que nosso discurso não é comercializado tb? Lógico que é. Graças a Deus eu tenho o Vinaum, Chavoso da Usp, Layne, Sueli Carneiro, Nerie e tanto outros que me ensinam sobre o que tem que aprender pra ficar ligeira… pra fazer meu trampo como criativa, mas tb não ser robozinho.
RapGol Magazine: Quando surgiu a parceria com a Lacoste e como foi trabalhar com eles na direção criativa e curadoria?
Fernanda CorreRua: O rolê da Lacoste surgiu inclusive quando eu e pessoas importantes como Kyan batemos na marca, que foi importante, preciso ficar de exemplo pra todas, todas mesmo. Nesse momento, eu mandei e-mail pra marca me posicionando e apresentando meu trabalho, que eu poderia dirigir e ser criativa pra eles não passarem vergonha hahaha. Daí, minha conexão com a marca começou. E marcou tb, porque ela se reposicionou dando atenção e construindo conosco. Foi suave trabalhar. Eu exerci o que sabia fazer, e aprendi ferramentas que eles têm. Deu certo…. Casa Lala é o segundo maior trabalho da minha carreira. Aliás, rendeu que hoje estou trabalhando com eles, dando sequência. Achei chave porque não se limita a um evento.
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RapGol Magazine: Recentemente você esteve na Europa, quais as melhores lembranças que você guarda do role em Paris?
Fernanda CorreRua: Primeira coisa marcante é o fato de ter viajada a convite da Lacoste junto do Mc Hariel (que eu sou fã desde o Mundinho Haridade), pra ver Roland Garros e conhecer o Mkt de Paris, isso aí você não tem ideia do que significou pra mim. Depois, o fato de eu estar sozinha com minhas próprias pernas, então conheci pessoas e fiquei em lugares por minha conta… uma mina pra frente. Fiquei em quebrada, comi muita comida de imigrante e vi jogos de futebol como em La Can.
RapGol Magazine: Em Londres você esteve em alguns lugares icônicos para a cultura que tanto admiramos. Gostaria de saber o que mais te chamou a atenção por lá?
Fernanda CorreRua: Londres tudo me encantou! Era meu sonho de criança pelos filmes e adolescente pela música. Eu conheci a Summerhouse (os blocos que foram gravados episódios de Top boy) lugares onde Skepta gravou e amei os bairros negros/jamaicanos como Brixton.
RapGol Magazine: Seu trabalho já te levou pra Paris, você já fez trabalho com a Kondzilla para a série “Sintonia” na Netflix entre outras coisas, diga pra nós, onde a Fernanda Corre Rua quer chegar?
Fernanda CorreRua: Eu quero ser uma grande diretora criativa de alguma marca como Louise em Lacoste e Pharrell em Vitton. Pode crer que eu tô estudando e trabalhando duro pra que isso possa acontecer.
RapGol Magazine: Tem algum artista em especial que você ainda não trabalhou, mas tem muita vontade?
Fernanda CorreRua: Quero trabalhar com Neguinho do Kaxeta, Matue, Veigh e dirigir clip pra Tasha e Tracie. Da gringa: Skepta e Asap Rock (já pensou?)
RapGol Magazine: Gosto de sempre pedir indicações das pessoas que eu entrevisto, tem algum livro, filme, que você curte muito e quer compartilhar conosco?
Fernanda CorreRua: Indico ler “Quarto de despejo” de Maria Carolina de Jesus, ver o filme “Roxanne Roxanne” e acompanhar o perfil de Eliane Dias.
Rap Gol Magazine: Também gostamos de pedir indicações de pessoas que fazem um trampo foda, seja na fotografia, na direção, nos bastidores mesmo da parada. Recomenda 3 pessoas pra gente ficar de olho.
Fernanda CorreRua: Eu ficaria de olho na Fernanda Optacio (fotógrafa da MC Luanna) e Roger Luz. Eu acredito que eles sejam nomes promissores da cena fotográfica.
RapGol Magazine: Acho que é isso Fernanda, obrigado pelo papo. Deixa seu salve final aí!
Fernanda CorreRua: Meu final é o seguinte: Humildade, disciplina e honestidade que o baguio vai dar certo.