Prisão de MC Poze  gera debate entre juristas: “Banalização da prisão e constrangimento desnecessário”

Prisão de MC Poze gera debate entre juristas: “Banalização da prisão e constrangimento desnecessário”

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A prisão de MC Poze do Rodo na manhã desta quinta-feira (29), no Rio de Janeiro, trouxe à tona um debate jurídico importante: até que ponto a criminalização do funk e de seus artistas é legítima?

Detido em casa, no Recreio dos Bandeirantes, o cantor foi algemado, levado sem camisa e de cabeça baixa por policiais da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE). As acusações: apologia ao crime e suposta ligação com a maior facção criminosa do Estado.

A imagem de Poze sendo conduzido de forma constrangedora circulou amplamente nas redes sociais e gerou indignação. Para o advogado Pedro Evangelista, especialista em Ciências Criminais e Segurança Pública pela UERJ, a operação foi desproporcional:


“Prisão desnecessária, midiática, com claro intento de esculachar e humilhar o cidadão. Basta ver a forma como ele foi conduzido: algemado, sem camisa, como se fosse uma ameaça grave. É inacreditável a banalização da prisão.”

O que diz a lei?

Segundo Evangelista, algumas letras de Poze podem até levantar questionamentos sobre apologia ao crime, mas a configuração de um crime depende de uma análise contextual profunda:


“O funk é uma expressão cultural e artística, a voz das vielas, dos guetos. Cantar sobre a realidade das favelas não é, por si só, crime. Para configurar associação ao tráfico, como estão tentando imputar, seria necessário comprovar uma relação estável e permanente, o que nitidamente não acontece. Os shows são esporádicos, pagos como cachês normais, mesmo que os contratantes tenham ligações criminosas.”

O advogado ainda pontua que receber pagamento por apresentações, mesmo em áreas dominadas por facções, não configura crime automaticamente:


“No máximo, poderíamos discutir eventual lavagem de dinheiro, mas isso depende de provas concretas. O que estão fazendo é criminalizar a cultura.”

A espetacularização da prisão

Especialistas criticam a exposição pública de artistas e o tom midiático das operações. O caso de Poze escancara essa prática: o artista foi preso sem camisa, descalço, cercado por policiais fortemente armados, como se fosse um criminoso de alta periculosidade.

Evangelista questiona a necessidade da prisão temporária:


“Não havia qualquer indicativo de risco de fuga ou obstrução das investigações. A prisão parece mais uma resposta para a opinião pública do que uma medida legalmente justificada.”

Funk, arte e criminalização

O caso reacende o histórico debate sobre a criminalização do funk no Brasil. Desde os anos 90, artistas do gênero enfrentam censura, preconceito e acusações de associação com o crime organizado. Para muitos, o funk é uma linguagem crua que retrata as realidades das favelas, mas frequentemente é enquadrado como apologia ao crime.

Para Evangelista, o debate precisa ser ampliado:

“Cantar sobre a realidade da favela não é fazer apologia. É retratar um cenário. A arte não pode ser silenciada pela polícia.”

Debate segue aberto

O debate segue: até que ponto a arte é livre no Brasil? Até que ponto um artista pode cantar sobre sua realidade sem ser criminalizado?

A resposta ainda está longe de ser simples — e o caso de MC Poze do Rodo promete ser um marco nessa discussão.