MC Smith conversa com a Rapgol Magazine. Em entrevista, cantor fala sobre vivência, carreira e sua visão sobre futebol
smith
” Camisa 10 do proibidão “
Autor – Roger Morais
Wallace Ferreira da Mota, 34 anos, também conhecido como MC Smith, é cria do morro do Caracol, localizado no Complexo da Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro. É um dos maiores nomes quando o assunto é funk. É conhecido por canções como “Dono do ouro e da prata”, “Vida Bandida“, “Sai da frente, Alemão!“, entre outras.
Em 15 anos de carreira, o artista demonstrou sempre estar engajado em lutar contra preconceitos e estigmatizações que os moradores de favelas enfrentam. Suas letras são claras e bem diretas. Além de cantor e compositor, Smith é também goleiro profissional de futebol Society.
O cantor ainda integrou o elenco do filme “Alemão“, em 2014, ao lado de grandes atores nacionais, interpretando o papel de um traficante.
E a RAPGOL Magazine teve a honra e a oportunidade de bater um papo exclusivo com o cantor, onde nos contou um pouco sua origem, trajetória, suas referências musicais e seu gosto pelo futebol, além de trazer em primeira mão que lançará ainda esse ano em EP de Drill.
“Dono do ouro e da prata”
RAPGOL Magazine – É uma enorme satisfação poder trocar essa ideia com você. Eu mesmo acompanho seu som desde novo. Conta pra galera que ainda não sabe quem é você e de onde você é cria.
MC Smith – É uma honra poder fazer parte dessa entrevista. Eu tenho 34 anos. Sou nascido e criado no Complexo da Penha, no morro do Caracol, na Chatuba… E tenho muita honra de estar há 15 anos no funk, completando agora em agosto.
RAPGOL Magazine – Como foi seu início na música?
MC Smith – Meu início não foi fácil, como acho que não é pra ninguém. Eu era um propagador, eu ficava chamando as pessoas pra comer no “Caldeirão do Lanche”. E nessa brincadeira, através das minhas músicas, as pessoas iam comer.
Aí eu fiz uma brincadeira para um velho, chamado Vicente. Fiz uma música pra ele, e aí a música fez o maior sucesso na comunidade. Inclusive ele foi lá na boca de fumo reclamar que os caras estavam zoando ele…
E aí os caras ‘perguntaram: “Qual é, tu é bom mesmo? Quero ver se tu canta assim lá no baile”. Eu disse: “Eu vou cantar no baile”. Aí cantei no baile, tirei onda e a partir dalí foi só sucesso. Dalí pra frente, só vitória.
RAPGOL Magazine – Quais foram os seus maiores obstáculos iniciais?
Smith – Ah, cara… Meu maior obstáculo, eu acho que foi o preconceito. Preconceito por ser de comunidade, periférico, passar por muitos problemas. A prisão em 2010, também… A gente passa por muito problema.
Mas o mais importante é que eu consegui vencer todos eles. O preconceito, a prisão e a aceitação do público é que foram um pouco chato. Mas daqui pra frente o povo vai digerir melhor o funk. A tendência é melhorar e nós estamos trabalhando para isso.
“existem dois tipos de funk: o favela e o indústria”
RAPGOL Magazine – Na sua visão, o que mais mudou na cultura de rua e na cena musical do funk de 10 anos pra cá?
Smith – O fato de que as gravadoras perceberam que o funk é uma potência. E pelo funk ter se tornado uma potência, elas começaram a investir. Porque existem dois tipos de funk: o funk indústria e o funk favela.
O funk indústria são aqueles funks que você vê na televisão, que fazem sucesso no Spotify, mas que não botam o pé na favela. Não fazem nada pra mudar o quadro da comunidade. Mas quando estão em cima do palco fazem questão de falar que são favela e não fazem nada por ela.
Nem que seja fazer um final de ano, sabe? Uma festa de ação de graças, dar uma cesta básica… Fazer algo em prol do povo que dá retorno pra ele. Mas não, pelo contrário, não fazem nada e chegam no palco dizendo que é comunidade… Essas coisas que você vê por aí e que já conhece.
Então existem dois tipos de funk: o favela e o indústria. E é isso que está deixando as coisas um pouco engessadas. Mas o funk de favela continua firme, produzindo muita gente e fazendo o que sempre fez, que é exportar talentos.
RAPGOL Magazine – Você vê o funk como voz e sonho de muita gente da favela, além de servir como instrumento de promoção social pra toda essa galera?
Smith – Como falei anteriormente, muitos se promovem, mas não fazem nada para agradar o lado social. Não fazem nada de filantrópico. Não fazem nada! Acho que eles nem conhecem essa palavra “filantropia”. Nem existe isso no vocabulário deles.
Realmente o funk é uma forma de você gritar, de verbalizar, de você ser ouvido. Porque você indo na delegacia, você não é ouvido, não é escutado. E o funk te dá um certo respeito, sabe? Prevalece quem tem dinheiro, quem tem advogado. Mesmo você não estando certo, talvez você ganhe o caso.
Mas muitas pessoas se promovem através disso. “Sou favela, a favela venceu, a favela chegou”. Isso é mentira, utopia, tá ligado? A favela não venceu! A favela só vai vencer quando a gente não olhar mais morador de rua, dentro da comunidade, sabe? Pessoas viciadas em drogas, gente morando debaixo da ponte…
A tia que trabalha na casa de madame construindo o seu próprio negócio, ou quando existir um McDonald’s ou um shopping dentro da favela… Quando a polícia respeitar o morador dentro da comunidade, aí a favela vai começar a vencer.
RAPGOL Magazine – Quais são as suas maiores referências musicais?
Smith – As minhas referências musicais são muitas. Aqui no Brasil eu tenho Wilson Simonal, Tim Maia, Carlos Dafé, Tony Tornado, Mano Brown e os Racionais MC’s, Negritude Jr, Raça Negra… Os caras são minha referência, tá ligado? Tem também Orelha e Preto, Cidinho e Doca.
RAPGOL Magazine – Qual é o seu time de coração, e o que levou a essa escolha?
Smith – Eu sou flamenguista. Sou flamenguista e não largo a mão disso. E eu tenho a honra de jogar no Fla Master, que é o time dos ex-jogadores do Flamengo. Então, sou muito feliz. Muito feliz mesmo! Sou Flamengo, meu irmão…
RAPGOL Magazine – Qual o momento do futebol que jamais vai sair da sua cabeça?
Smith – Tem diversos momentos que eu posso englobar. Mas um que não sai é o título do Flamengo de 99, com gol do Rodrigo Mendes. Quando foi bicampeão carioca… Tem também aquele gol do Petkovic, o brasileiro de 2009, tem a Libertadores do ano retrasado… Enfim, Flamengo é Flamengo, né, cara.
E falando de seleção tem algumas coisas que ficaram marcadas. A Copa de 94, a Copa de 98, em que eu chorei. O corte do Romário, onde fui totalmente contra. Teve uma conspiração contra o baixinho ali. Teve também a de 2002, com o título, a de 2006, a de 2010, 2014 e 2018, com eliminações precoces.
Então assim, eu fico com medo de o futebol brasileiro não ser mais como antes, com um Ronaldo, um Rivaldo, Romário, Ronaldinho… Só tem o Neymar, sabe? E alguns que são bons, porque o resto pode pegar e jogar fora. Eu além de ter jogado, onde quase me tornei profissional, levava a sério. Se não fosse o esporte eu acho que seria um cara desregrado, sabe? Foi o esporte que me ensinou a ser um cara regrado.
RAPGOL Magazine – Cite 3 das suas camisas de time prediletas.
Smith – A do Flamengo, a do Palmeiras e a do Grêmio.
RAPGOL Magazine – Pelo andar da carruagem, acha que o Brasil possa levar o hexa em 2022?
Smith – A gente fica olhando assim… E poxa, tomara que leve, não é? Sinto saudade daquela seleção de Romário, Bebeto, Rivaldo, Ronaldo, Pelé, Garrincha, Coutinho, Ronaldinho Gaúcho… Eu sinto falta. Mas vamos ver, temos que ter fé. Que venha o título ano que vem.
RAPGOL Magazine – Na sua opinião, o funk é mais aceito pela sociedade do que há 10, 15 anos atrás, ou nada mudou com relação a isso?
Smith – Hoje o funk está totalmente diferente. Hoje, famílias que proibiam o funk hoje já aderem. Ainda existe preconceito, mas aderem. Hoje o que mais vemos aí é playboy cantando funk. E falando que é favela.
Um montão de branco, de burguês, de filhinho de papai e mamãe que mora em lugar de classe média/alta cantando funk. Mas não têm noção do que se passa na favela e da vida de favelado. Mas mudou porque deu muito dinheiro, não é? E o que dá dinheiro se industrializa. Mesma coisa o futebol. Antes não dava dinheiro, mas a partir do momento que viram que dá muito público, começaram a dar valor a isso.
E hoje o funk domina todas as tendências do Brasil. O funk fez o pagode evoluir, fez o bregafunk existir. Fez o forró virar arrocha, piseiro. Fez também o sertanejo ter uma nova roupagem. O funk mudou o Brasil. Está mudando e vai mudar ainda muito mais.
“…Liberdade a quem tá privado e saudade aos que foram cedo…”
RAPGOL Magazine – Acompanhamos seu último lançamento, “Baile das Estrelas”, ao lado do DJ Corvina. Além dessa faixa, o público pode aguardar alguma novidade ainda esse ano?
Smith – Tem muita coisa vindo esse ano por aí. O trabalho com o Corvina já é o quarto de muitos. E muitas coisas boas tão vindo por aí. Vai ter EP de Drill. Estou investindo muito no Drill.
RAPGOL Magazine – Poderia falar pra gente três artistas, que, ao seu ver, merecem maior destaque no funk?
Smith – Gorila e Preto. São os comediantes do funk. E o MC Gorila é o único MC das atigas que acompanha todas as gerações, todas conhecem ele. Eles são cômicos, são engraçados. Tem o MC Galo, da Rocinha, que foi o primeiro MC de favela a fazer sucesso com proibido. E tem também o Movimento Funk Clube, que foi o primeiro grupo a colocar mulher no palco. Foi o primeiro grupo a fazer essas letras de duplo sentido no funk.
E me desculpe, mas vou citar um quarto que é o MC Abdullah, que foi o primeiro MC a gravar funk na história a botar uma música na rádio e a fazer show. Com o “Melô da mulher feia”, fez tocar essa música na rádio e fez o funk ser o funk. E vou trazer um quinto aí, que é o MC Batata, da Feira de Acari, que cantou a primeira música de funk que fez sucesso.
RAPGOL Magazine – Agradecemos muito a sua disponibilidade em conversar conosco. Qual mensagem você gostaria de deixar pra galera?
Smith – Se informem mais, não taquem pedras nas pessoas. Porque se um dia você taca uma pedra em uma pessoa, um dia você pode sofrer a mesma coisa. Não vamos ser hipócritas, não vamos agir com ignorância. Vamos estudar, vamos ler, se cuidar, se vacinar para as coisas voltarem ao normal e Deus está na frente, Deus está conosco.
Amém, fiquem com Deus e com Jesus e muito obrigado por essa entrevista maravilhosa. Aguardo as próximas entrevistas e os contatos de vocês.
Jornalista, nascido no Centro do Rio em 1990. Já passou por veículos de comunicação impressa e também pelo rádio.
Torcedor do Grêmio, amante do futebol latino-americano e inglês.