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Por Que o VAR Mudou Tudo, Menos a Nossa Vontade de Reclamar

por CRIAA · 9 de dezembro de 2025

O Fim da “Mão de Deus” e o Início da Era Forense

Se Diego Maradona tivesse saltado para cabecear aquela bola contra a Inglaterra no Estádio Azteca hoje, a história seria outra. O árbitro Ali Bin Nasser colocaria a mão no ouvido, faria o sinal do retângulo e anularia o lance mais icônico da história das Copas. O VAR (Video Assistant Referee) chegou com uma promessa messiânica: erradicar a injustiça e trazer a precisão binária para um esporte analógico.

Quase uma década depois de sua implementação massiva, o futebol mudou drasticamente. O jogo tornou-se um exercício forense. Mas, paradoxalmente, a discussão de bar não acabou; ela apenas mudou de endereço. Saímos do “o juiz é cego” para o “o juiz é mal-intencionado em 4K”.

A Revolução Tática e Comportamental

Não podemos ser levianos: o VAR limpou o jogo de erros grotescos. Gols em impedimentos quilométricos, agressões fora da disputa de bola e pênaltis fantasmas tornaram-se espécies em extinção. Tecnicamente, isso forçou uma mudança no comportamento das defesas. A “linha alta” tornou-se uma estratégia de risco calculado, dependendo da precisão milimétrica das linhas traçadas na cabine.

Para o atacante, o jogo mental mudou. A malandragem do “cavada” na área perdeu eficácia quando existem 12 câmeras dissecando o contato. O futebol ficou mais justo? Estatisticamente, sim. O índice de acerto das decisões cruciais beira os 98% nas grandes ligas. Mas o futebol não é jogado numa planilha de Excel.

O Paradoxo da Tecnologia: Por Que Ainda Reclamamos?

A crítica persistente ao VAR revela um fenômeno fascinante da psicologia do esporte: a tecnologia é exata, mas a regra é interpretativa.

O problema não é a máquina, é o “software” humano. Quando falamos de impedimento semiautomático (SAOT), a discussão morre, pois é factual: ou está à frente, ou não está. É preto no branco. A fúria do torcedor nasce na “zona cinzenta” — a mão na bola acidental, a intensidade do contato, a tal da “imagem inconclusiva”.

O VAR trouxe a lupa, mas não trouxe o critério unificado. Ver um lance em super slow motion distorce a realidade. Um toque de raspão, quando assistido a 5 quadros por segundo, parece uma tentativa de homicídio. Essa desconexão entre a “velocidade real do jogo” e a “análise de laboratório” é o combustível que mantém a chama da polêmica acesa. O torcedor não aceita que um árbitro veja o lance no monitor por 5 minutos e, ainda assim, tome uma decisão que desafia o senso comum da arquibancada.

O Assassino do Clímax

Existe um custo cultural que a tecnologia cobrou caro: a espontaneidade do grito de gol.

Antes, o gol era uma explosão imediata, catártica. Hoje, o gol é um processo burocrático. A bola entra, o estádio explode, mas com um “delay” mental. O torcedor olha para o bandeira, depois para o telão, espera o check… e só então libera a endorfina. O VAR introduziu a “comemoração condicional”.

Para a cultura de estádio, isso é devastador. Aquele momento de êxtase puro foi diluído pela ansiedade da revisão. O futebol ganhou justiça, mas perdeu magia. Transformamos o momento mais visceral do esporte em uma auditoria administrativa.

Veredito RAPGOL

O VAR é um caminho sem volta. A tecnologia vai evoluir (com inteligência artificial auxiliando em tempo real), e a tendência é que as paradas sejam mais rápidas. Porém, a crítica nunca vai acabar porque ela é inerente à paixão do torcedor.

Nós não queremos apenas justiça; nós queremos validação das nossas emoções. Enquanto o futebol for operado por humanos interpretando regras subjetivas através de telas frias, a “corneta” continuará soando alto. O VAR resolveu o problema ótico, mas jamais resolverá o problema hermenêutico. No fim das contas, a gente gosta de ter alguém para culpar — seja o homem de preto no campo ou o homem de preto na cabine.

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