Nascido e criado no Conjunto Riacho Doce, no bairro Passaré, Blecaute é um artista visual e estudante de Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará. Concretiza seus estudos e sua visão de mundo enquanto negro e periférico através das artes plásticas. Como autodidata, começou sua trajetória na pintura digital no final de 2019 e, atualmente, trabalha com diversos materiais e linguagens.
“Minhas influências são múltiplas e não se resumem à arte visual e à pintura. Acredito que arte, de modo geral, é uma linguagem e cada artista narra sua perspectiva a partir do meio e material que se é possível no momento.”
O Significado de Blecaute
O nome artístico possui alguns significados para Blecaute e funciona como um ato político contra o racismo. “Significa tornar o mercado da arte possível para pessoas negras e periféricas, levando a escuridão a um local que antes só tinha os ditos ‘iluminados’, levar um blecaute até locais que foram criados por nós, mas dominados pela branquitude”, expressa o artista visual.
A Parceria com a Kenner
Nesta quarta-feira (17), o artista visual Blecaute foi convidado pela Kenner, sandália muito utilizada pela juventude periférica, para falar um pouco da sua relação com a marca carioca, mostrando a essência da arte brasileira, representando algumas das maiores paixões do povo brasileiro e se firmando como o primeiro cearense a colaborar com a Kenner.
“Eles chegaram ao meu trabalho a partir de uma arte que esteve no 75º Salão de abril, um dos mais antigos salões de arte do Brasil, intitulada ‘Eu também sou um anjo’, uma obra feita em acrílica sobre madeira. Eles entraram em contato através do Instagram, onde eu havia publicado detalhes da arte e me fizeram a proposta de fazer duas artes para a galeria Kenner, uma arte sendo digital e a outra sobre tela.”
As Obras Criadas para a Kenner
O artista cearense desenvolveu duas artes para a colaboração com a Kenner. A primeira, intitulada “Os Vet de Fortal Vão de Kenner”, traz 11 personagens com diversas camisas de times cearenses e cariocas como Ceará, Ferroviário, Fortaleza, Flamengo, Vasco, entre outros, narrando histórias e eternizando o dia de lazer entre amigos como um registro, criando novos imaginários de felicidade e prosperidade.
“Reunir diversos amigos do Passaré e pessoas que movimentam a cena cultural de Fortaleza e de fato são inúmeras histórias afetivas com a Kenner. Assim, fizemos um ensaio fotográfico junto à multiartista Alexia Ferreira na casa de um amigo que mora em frente ao socioeducativo, e utilizei as fotografias para fazer a pintura digital da colaboração.”
Na segunda obra, uma pintura a óleo e acrílica, intitulada “Kalma, vai dar bom”, Blecaute narra uma cena através de um autorretrato. Na tela, o personagem veste um casaco amarelo do Brasil, simulando o clássico uniforme da seleção brasileira campeã do mundo em 2002. Blecaute traz espadas de São Jorge e Cobra-Coral, com um K de Kenner centralizado. Além disso, a bandeira do quilombismo, em referência a Abdias do Nascimento, está presente no fundo. A obra inclui um anjo negro vestindo um short branco, uma Kenner e boné também da Kenner, ambos vermelhos, suas asas são plantas Comigo-Ninguém-Pode e ele carrega em suas mãos uma coroa, que se encaixa óticamente na cabeça do personagem central.
“Gosto de fazer autorretratos por conseguir criar através da arte outras perspectivas para o que sou e como me veem. Já me falaram que eu era ‘muito mal encarado para ser Cristo’, fiz disso o nome da minha exposição. Quando crio obras, imagino e crio novos imaginários deste estereótipo do ‘mal encarado’ por outro viés que não seja a dor ou a violência, mas a abundância e liberdade. Vindo do Passaré, até que cheguei longe.”
Reconhecimento no Prêmio da Música Brasileira
Blecaute também foi convidado para a 31ª edição do Prêmio da Música Brasileira a partir da exposição “FUNK: um grito de ousadia e liberdade”. O artista esteve presente na premiação no Rio de Janeiro graças à parceria da Secretaria da Cultura do Ceará (Secult CE) através do Hub Cultural Porto Dragão, equipamento gerido em parceria com o Instituto Dragão do Mar (IDM), que facilitou a presença do artista na premiação.
O Prêmio da Música Brasileira aconteceu no dia 12 de junho de 2024, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, e o homenageado do ano foi o incomparável Tim Maia. O evento é um dos mais tradicionais que celebra a produção artística nacional, conta com a direção de Zé Maurício Machline e curadoria de Gringo Cardia. O PMB teve mais de 7.500 artistas inscritos em categorias que abrangem lançamentos de músicas, videoclipes e projetos especiais. O evento tem o objetivo ainda de premiar os artistas, compositores, produtores e músicos que mais se destacaram no decorrer de 2023.
“Estou muito feliz pelo convite para participar do Prêmio de Música Brasileira. Saber que meu trabalho foi selecionado para homenagear Tim Maia, uma das maiores referências da cultura brasileira, em uma das maiores premiações que temos no Brasil, já estando na 31ª edição, é gratificante demais. É apenas a segunda vez que vou ao Rio de Janeiro e, em ambas as ocasiões, foi graças ao meu trabalho artístico.”
Participações em Exposições e Eventos
O artista cearense Blecaute já participou da exposição coletiva sobre a história do funk e seus desdobramentos estéticos e políticos no Museu de Arte do Rio, também na cidade carioca, com as obras “Only Colored” (2022), “Filhos de um Deus que dança” (2022) e “Festa de Preto É Pra Se Libertar” (2022). A partir de técnicas de colagem e pintura digital, a trilogia “Festa de Preto” retrata a relação entre musicalidade e negritude, reivindicando uma narrativa de festa, de arte e de cultura.
Blecaute esteve também na Feira de Arte Contemporânea de Pernambuco (ART*PE) e recebeu em sua 3ª edição a exposição “Cavar fendas de possível”, da Cave Galeria, com obras de 14 artistas cearenses. O evento aconteceu em Recife, Pernambuco, no Terminal Marítimo de Passageiros, no dia 26/06 e contou com a curadoria de Lucas Dilacerda.