TEXTO POR GABRIELA TORRES – PERGUNTAS POR JOÃOZINHO ALVES. | REDAÇÃO PARANÁ – RAPGOL
O álbum “Pra quem já mordeu um cachorro por comida, até que eu cheguei longe” foi a estreia do rapper de São Paulo e marcou uma geração do Hip Hop que segue utilizando o RAP como ferramenta política.
Leandro Roque (38), mais conhecido como Emicida (vulgo oriundo da fusão de “MC” com “homicida”: assassino de MC), é considerado uma das maiores revelações do Hip Hop da década de 2000. Cria da Batalha da Santa Cruz, zona Norte da capital paulista, Leandro se consolida através das rimas que costurava nas batalhas de rap que preenchiam as periferias e favelas da grande metrópole.
O lançamento de “Pra quem já mordeu um cachorro por comida, até que eu cheguei longe” aconteceu em 2009, e marcou uma geração do Hip Hop que segue utilizando o RAP como ferramenta política. As 25 canções trazem construções de narrativas que abarcam temas como o cotidiano, o racismo, a política, o psicológico de um favelado e as dificuldades diárias de um trabalhador da periferia.
Em “Só isso”, o poeta compartilha a sua relação com a música, nomeando grandes referências do samba e trazendo a importância da arte na vida de um jovem negro e o seu impacto afetivo:
“Respirar fundo, fechar o olho e solta poesia?
Lá em casa nunca teve nenhum home teather surround
Mas não é miséria, é que o bagulho lá é underground.
Zé Keti, Cartola, um Paulinho da Viola
Na agulha pra eu ficar bem (…)
Tão ligado o porquê da conta bancária tão alta
Só tá sobrando lá, porque na de alguém tá em falta
E o jogo vira, ninguém sabe o que pode acontecer
Pensei que ia morrer de fome, comprei uma MPC.”
A metalinguagem presente na faixa “Triunfo (A Rua É Nóiz)” consolida Emicida como um porta-voz de uma ferramenta preta de autodefesa: o RAP. Os versos “Uns rimam por ter talento, eu rimo porque eu tenho uma missão” abrem uma das músicas de mais força e imposição do álbum, trazendo o Hip Hop como uma necessidade da periferia paulistana que seguia em guerra, como havia denunciado Racionais MC’s.
“Sou porta-voz dos que nunca foi ouvido
Os esquecido lembra de mim
Porque eu lembro dos esquecidos (…)
Se o RAP se entregar, a favela vai ter o quê?
Tem mais de mil moleque aí
Querendo ser eu
Imitando o que eu faço, tio
Se eu errar, fudeu!
Ser MC é conseguir ser H ponto aço
No fim das contas, fazer rima é a parte mais fácil”
Quinze anos depois, Pra quem já mordeu um cachorro por comida, até que eu cheguei longe se mantém presente na nova geração, influenciando a cena do RAP nacionalmente com a sua destreza, inteligência e sensibilidade.
Para concluir a analise desse belo disco, pegamos depoimentos de um pessoal que esteve presente na época e vozes da nova geração para entender o contexto de um clássico, fizemos a mesma pergunta para todos colaboradores: Qual impacto que o álbum tem na sua vida? Você lembra qual foi sua primeira reação quando ouviu ele inteiro? Confira as resposta abaixo.
Marcílio Gabriel – Jornalista e Apresentador
Caramba, quinze anos já! Eu tenho uma lembrança bem legal sobre ela… Algumas semanas antes do lançamento, entrevistei o Emicida no Programa Freestyle e como sempre puxava o assunto sobre sonhos com os entrevistados, perguntei qual era o sonho dele e a resposta foi: “Tirar isso aqui” – se referindo ao uniforme de trabalho que tinha acabado de encerrar o expediente pra colar no estúdio pra gravar o programa. Semanas depois saiu a mixtape e a história todos conhecem. Quando ouvi pela primeira vez tive uma grata surpresa ao ser citado na faixa “Pra Mim (Isso é viver). Lembro que liguei pra ele na hora pra falar que estava ouvindo e agradecer o salve. Anos mais tarde pude escrever um capítulo na antologia publicada em livro dessa mixtape. Então tenho um carinho muito grande por esse trabalho e é uma satisfação ter acompanhado boa parte dessa história desde quando ela começou a ser construída.
Beatriz Carvalho – Designer, Diretora de Arte e Idealizadora do maior Fã Clube do Emicida.
Ouvi o disco pela primeira vez eu tinha 13 anos, estava descobrindo a minha própria identidade e aquelas músicas me atravessaram de forma muito direta, me trazendo uma série de reflexões sobre a sociedade e sobre ser um corpo preto jovem que tá no corre, que é consciente, mas também que sonha, ama e quer tirar uma onda. Esse disco pra mim é sinônimo de transformação. É um disco que modificou a cena do rap brasileiro pra sempre e que me transformou pessoalmente também.
Tiago Red – Advogado Da Laboratório Fantasma
Essa mixtape em termos mercadológicos mudou todo o paradigma da indústria fonográfica, ela demonstrou em números e relevância artística que era possível viver de música sem ter que necessariamente abaixar a cabeça para as grandes corporações e suas práticas, foi também um norte enquanto procedimento para muitos artistas independentes se espelharem pra trabalhar sua arte dentro do mercado. Lembro de ouvir e ficar impressionado com a consistência da arte em si, com coragem necessária pra fazer o que feito, os temas, as escolhas, a linguagem, a parte gráfica, tudo muito bem amarrado e artesanal o que criava de alguma uma forma um vínculo com o artista e seus ideais, era como se parte daquilo que havia sido gravado habitasse sua casa, seu imaginário enfim, “pra quem Já mordeu cachorro por comida, até que eu cheguei longe“ pelo nome já criava uma expectativa de mudança, foi muito importante viver essa mudança…
Nave – Produtor Musical
Apesar de na época eu já trabalhar com alguns nomes nacionalmente conhecidos, foi nessa mixtape que as pessoas realmente descobriram que eu existia. Depois que o Leandro cantou “Emicida, Nave, Zica da rima, Zica da base” tudo mudou, me tornei alguém pra cena. E ainda estamos aqui. Uma honra fazer parte desse marco da nossa música brasileira, não só do rap.
Tagarela DTPK – MC
Recordo como se fosse ontem, sempre acompanhei ele nas batalhas, lembro que tinha menos de 5 mil plays. Quando saiu a mixtape “pra quem Já mordeu cachorro por comida, até que eu cheguei longe“ tive dois sentimentos, o primeiro foi: Nossa, esse cara se acha demais! Porque eu não estava acostumando a ver um preto se achando. Não era da nossa cultura, quando ele vem com E.M.I.C.I.D.A, no sapatinho… elevando o próprio ego, demonstrando auto estima. A gente não estava acostumando a ver um preto com auto estima, então em primeira mão eu me assustei com aquilo, critiquei, mas não parava de escutar. E graças a ele que meu grupo surgiu com a ideia de vender discos a 2 reais, ele inspirou toda uma geração. E pra mim até hoje eu acho a mixtape, o melhor trabalho, mais completo do Emicida, apesar de gostar de todos.
O segundo sentimento é todo esse resgate da auto estima que mencionei acima, do povo preto, de que podemos alcançar o topo. Eu diria que a mixtape está no meu top 3 discos de rap da minha vida. Ter conhecido ele tempos depois, só confirmava em tudo que o Emicida era. Eu posso dizer que depois de Racionais, Emicida foi a maior influencia de rap da minha vida, tanto de batalha, tanto por uma ter uma realidade parecida. A mixtape não só me transformou em MC, como mudou toda minha vida.
Rebecca Vilaça – Produtora
Véi, eu fecho os olhos e vem uma imagem muito clara na mente e parece que eu tava ouvindo esse disco ontem. Sinceramente eu não sei te dizer o impacto que me causou naquele exato momento, mas posso afirmar com toda certeza que ele continua sendo revolucionário até hoje, ta ligado? Acho que foi um ponta pé de uma trajetória não só na minha vida, mas na de muita gente que sabe como é viver, amar e fazer parte de um movimento, que apesar de ser ainda tão marginalizado, salva, a música salva, o rap continua salvando, todo dia. A real é que sou grata por tudo que ele me proporcionou e se eu pude viver e realizar muito dos meus sonhos, foi por acreditar nas letras de Leandro.
Souto MC – MC
Eu lembro que antes da mixtape sair, já rolava muito burburinho com o nome do Leandro, Emicida, até por causa das batalhas e tal. Eu tinha 15 anos na época quando esse disco saiu, eu lembro de voltar escutando todo dia da escola, principalmente a faixa “Sozin”, era a música que mais mexia comigo. Eu tinha um sentimento de solidão muito forte na adolescência, com essa música parecia que ele estava descrevendo quem eu era e eu me sentia acolhida por uma música que chamava “Sozin”.
Curiosamente também foi a época que comecei a escrever meus raps. Sem falar que após o “Nada Como Um Dia Apos O Outro Dia” do Racionais, “Pra quem já mordeu um cachorro por comida, até que eu cheguei longe” foi um dos primeiros álbuns que eu me senti acolhida, representada, as referencias de samba, tudo, foi sem dúvida o disco que mais me marcou pós Racionais. No fim, o disco veio pra mostrar que podemos sonhar, ir em busca de todos objetivos, sem tirar o pé do chão. Vida longa ao Emicida, a toda Laboratório Fantasma. “Pra quem já mordeu um cachorro por comida, até que eu cheguei longe“.
Pecaos – MC
Eu comecei a rimar por causa desse álbum, ele instruiu a nova geração do rap.
É com certeza meu álbum favorito de rap.
Nektrash – MC
Não sei por onde começar e nem por onde terminar, a fome nunca acaba. A importância de se sentir representado e saber que há 15 anos atrás, alguém lutava contra a miséria, violência, racismo e toda repressão que todo favelado sente, é inexplicável. Hoje, eu consigo através de um obra criada por necessidade, saber o quanto isso é necessário, para alguém que se vê muito além do cartão postal. Esse álbum me transformou e me devolveu força para nunca esquecer o que eu sou e da onde vim.
Dani de Mendonça – A&R e Produtora
Eu acredito que tenha acompanhado via twitter boa parte do processo, tudo que eles postavam sobre eu observava atenta, lembro de escutar faixa a faixa e ficar viciada por dias em uma mesma música, o álbum inteiro eu experienciei mesmo no primeiro show desta turnê aqui em Porto Alegre, o sentimento que lembro foi de anestesia, identificação. Lembro de comprar cd para todas as minhas amigas e deixar na caixa de correio deles logo após o show. Meu desejo de aprender mais sobre marketing musical surgiu com toda certeza a partir do movimento deste disco nas redes sociais, hoje atuando como planejamento estratégico para lançamentos musicais e cinematográficos e como representante de um selo musical ainda trago referências nos meus projetos do que foi executado pelo time do Emicida há 15 anos atrás. Esse disco não só mudou, mas também revolucionou a minha vida.