Oruam está na capa da revista britânica Dazed

Oruam está na capa da revista britânica Dazed

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Em um país onde o funk e o trap são frequentemente criminalizados, a figura de Oruam desponta como um farol de contradições e resistência. Mauro Davi dos Santos Nepomuceno, nome de batismo do rapper, carrega um sobrenome pesado: é filho de Márcio dos Santos Nepomuceno, apontado pela Justiça como um dos maiores chefes do tráfico de drogas no Brasil. E foi a partir dessa herança complexa que Oruam construiu uma carreira que o tornou um dos artistas mais influentes da nova geração do rap e do funk.

Oruam não se esconde. Seu visual – cabelo vermelho, tranças, roupas extravagantes – é uma declaração de identidade. Suas músicas são repletas de rimas afiadas, abordando temas como violência policial, racismo, desigualdade social e a realidade das favelas cariocas. Em faixas como “Lei Anti-O.R.U.A.M.”, ele confronta o projeto de lei apelidado com seu nome, proposto por parlamentares conservadores que visam proibir o financiamento público de artistas que supostamente “glorificam o crime”. Na música, ele canta: “Eles dão armas, depois perguntam por que a gente é fora da lei.”

Esse projeto de lei, conhecido informalmente como “Lei Anti-Oruam”, representa uma tentativa de censurar o funk e o rap, gêneros que narram o cotidiano da juventude periférica, suas dores e conquistas. Para Oruam, a perseguição institucional é mais uma prova de seu impacto cultural: “Agora eu sou muito famoso. Eles vão se lembrar de mim para sempre”, afirmou em entrevista à revista Dazed, reforçando que sua voz não será silenciada.

Oruam é um artista de extremos. Nos palcos, move multidões; nas redes, com mais de nove milhões de seguidores, incendeia debates. Em 2024, organizou um desfile de motos pelas ruas do Rio para comemorar seu aniversário – evento que virou notícia no horário nobre. No mesmo ano, foi preso por realizar manobras perigosas com seu carro em frente a policiais. Um dia após sair da prisão, lançou seu álbum “Liberdade”, com capa que mostra sua família vestindo camisetas estampadas com a imagem de seu pai.

Entre contradições e polêmicas, Oruam também é um símbolo de afetividade familiar. Cresceu com a mãe, Márcia, que também foi presa em 2010, mas que sempre o incentivou a escrever poesias. Foi ela quem o encorajou a recitar um poema no lançamento do livro do pai, evento que marcou sua primeira apresentação pública. “Minha mãe me fez ser quem sou hoje. Quando mostrei meus poemas, ela disse: ‘Você é muito bom nisso. Todo mundo que lê chora.’ Se você provoca isso nas pessoas, isso é arte.”

A carreira de Oruam ganhou força em 2021, quando lançou a música “Invejoso” com Raffé, Chefin e Jhowzin. A faixa viralizou, somando milhões de visualizações no YouTube. Pouco tempo depois, ele assinou contrato com a gravadora Mainstreet, que transformou a cena do trap carioca em fenômeno de massas, impulsionando nomes como MC Poze do Rodo e MC Cabelinho.

Mas Oruam não se limita ao estúdio. Com apresentações em Lisboa, Luanda e outras cidades, ele se consolidou como uma das vozes mais fortes do trap nacional. Seu estilo visual também virou referência: cabelos vermelhos, tranças estilizadas, roupas ousadas. “Eu preciso ser original, preciso ser marcante. Não posso ser como todo mundo. Tenho que ser diferente”, afirma.

Oruam também carrega uma marca espiritual: é evangélico. Em “Terra Prometida”, cita trechos bíblicos, reforçando sua fé. “Quem confia no Senhor é como o Monte Sião”, canta. Ele vê a religião como uma base, mas também carrega o peso de um anti-herói – termo que aceita de bom grado, como define: “Sou o Deadpool do trap.”

A influência de Oruam vai além das músicas. Crianças tingem o cabelo de vermelho para imitá-lo, jovens repetem suas letras nas redes sociais. Ele provoca, incomoda, inspira. Para muitos, ele é a voz da juventude periférica que resiste à violência e à criminalização de sua cultura.

Num país onde o funk e o trap são muitas vezes alvos de repressão, Oruam é mais que um artista: é um fenômeno social. Sua presença na capa da Dazed é um marco – a consagração de um artista que se tornou símbolo de uma juventude negra, favelada e potente, que transforma dor em arte, opressão em resistência.

Oruam é a prova de que, mesmo cercado por julgamentos e preconceitos, o funk e o trap são formas legítimas de expressão e precisam ser respeitados. Sua história é um lembrete de que a arte nasce, muitas vezes, no olho do furacão. E que, mesmo no caos, ela encontra maneiras de florescer.