PJ Somervelle fala sobre sua vivência, a profissão de A&R e a relação mundo do R&B no Reino Unido em uma conversa com a RAPGOL Magazine

PJ Somervelle fala sobre sua vivência, a profissão de A&R e a relação mundo do R&B no Reino Unido em uma conversa com a RAPGOL Magazine

PJ SOMERVELLE

Para quem não conhece, A&R é a sigla para “Artístico & Repertório”, uma profissão atuante na música responsável por basicamente ser o “cérebro” de uma produção artística. É o ponto de partida para um artista, seja ele independente ou dentro de alguma gravadora.

Trata-se de uma expressão, que, apesar de ainda pouco conhecida do público de massa, está presente na rotina dos bastidores de artistas e produtores. São os A&R que passam horas e dias dentro dos estúdios junto a cantores, beatmakers e produtores ouvindo e selecionando as melhores faixas, discutindo sonoridades mais ideais.

Passam boa parte do tempo todos os dias tocando pra frente com artistas e/ou escritórios, seja no no gerenciamento de produtos e projetos, como também no planejamento das etapas de pré, durante e pós-lançamento Cuidam dos contatos com comunicadores e formadores de opinião, aplicando a estratégia de marketing mais eficaz para cada artista. E por ai vai…

Aqui no Brasil temos muitos deles. E nesta edição da RAPGOL Magazine tivemos a oportunidade de trazer ao leitor um bate-papo exclusivo com uma pessoa que, apesar de jovem, tem sido uma das grandes referências como A&R na Europa, principalmente para jovens artistas independentes.

Patrick Somervelle, mais conhecido como PJ Somervelle é de Londres e alguns anos vem trabalhando junto a artistas do R&B, para que se tornem cada vez mais profissionais, conquistando, assim, seus espaços no mundo.

Em uma conversa repleta de informação, PJ falou um pouco sobre seu início na profissão, os artistas para os quais trabalha, a sua visão sobre a música após o advento das plataformas de streaming, dicas para artistas e muito mais. Confira.

Do Rio de Janeiro para Londres, 25 de fevereiro de 2023.

Roger Morais 

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https://www.youtube.com/watch?v=U9ZgNHfYp6s

RAPGOL Magazine – É uma satisfação imensa poder bater esse papo com você. Acompanho seu trabalho há mais de um ano, mas poderia contar para quem ainda não o conhece. Quem é PJ Somervelle e de onde ele vem?

PJ Somervelle – Quem é PJ Somervelle? Essa é uma boa pergunta! (risos) Acho que diria antes de mais nada que quero ser uma pessoa positiva na indústria da música. 

Sou simplesmente um fã de música, alguém que deseja que os artistas alcancem todo o seu potencial e definam o sucesso que realmente desejam com sua criatividade. Mas principalmente sou apenas uma pessoa normal, morando em Londres e tentando levar a vida!

RAPGOL Magazine – A profissão de A&R é mais conhecida dentro dos bastidores do meio artístico. Acredito que uma pequena parcela do público conhece esse ofício. Você poderia explicar melhor em que consiste o seu trabalho?

PJ Somervelle – Eu sempre quero fazer uma distinção entre os A&Rs da ‘indústria’/label e os A&Rs independentes (aqueles que não funcionam para as gravadoras). Eu também quero que as pessoas saibam que é comum as pessoas se chamarem de ‘A&Rs’ e receberem dinheiro de artistas com falsas promessas de que farão com que seu dinheiro seja ouvido pelas gravadoras. 

Infelizmente, esse é o lado negro da indústria. Cuidado com qualquer pessoa que envie um DM ou e-mail dizendo que é um A&R de uma grande gravadora, sempre faça sua pesquisa.

Minha perspectiva é que um A&R independente apóia os artistas no que diz respeito ao desenvolvimento artístico e também ao desenvolvimento de seu som. Isso pode ser através da criação de sessões (com artistas, compositores e produtores), bem como aconselhamento sobre que tipo de música seria bom lançar (para maximizar o sucesso). 

Os A&Rs geralmente são as pessoas nos shows que vão encontrar as estrelas de amanhã, eles estão constantemente acompanhando os formadores de opinião e curadores sobre quem estão de olho, eles estarão nas mídias sociais verificando quem está obtendo mais engajamento e em última análise, contrate artistas para acordos de gravadora/distribuição/publicação, se esse for o papel deles. 

Eles são os caçadores de talentos e também estão por trás de grandes sucessos quando juntam os colaboradores. Eles são executivos da música e, como em qualquer setor, você encontra alguns ótimos e outros terríveis!

RAPGOL Magazine – Quando você viu que seu caminho estava na música e desde quando você é A&R?

PJ Somervelle – Há dois anos, escolhi concentrar minha energia em ser criativo, trabalhei por muito tempo em empregos muito emocionais e altamente desgastantes (em saúde mental, serviço social e apoio a pessoas vulneráveis) e disse a mim mesmo que tinha que ajudar eu mesmo fora deste lugar escuro.

Comecei a escrever um blog, depois comecei a escrever para outras revistas sobre música e a entrevistar artistas. Eu amei. Isso então evoluiu para trabalhar em publicidade e marketing de música, que então se desenvolveu em eu ser mais vocal no Twitter, muitas pessoas me mostraram amor e apreço (RNB Radar1994 Collective e muitos outros).

Meu principal objetivo era destacar os incríveis artistas e a música criada no Reino Unido. Como o desenvolvimento artístico é algo pelo qual sou incrivelmente apaixonado, o título A&R fez mais sentido para mim. Ainda estou em dúvida se ser independente ou trabalhar com uma gravadora é o objetivo final (semelhante aos artistas), então veremos aonde a jornada me leva!

RAPGOL Magazine – Quais são suas maiores referências musicais?

PJ – Meus heróis na música são os artistas que fazem músicas que são tão reais e autênticas quanto podem, pessoas como Shaé UniverseBellahKamonaCyan e Josh Kye são todos vocalistas, escritores e artistas incríveis.

Estes são todos artistas do Reino Unido. Quando se trata de artistas internacionais, adoro o que DendeBairiNanette e Raebel estão fazendo para mostrar sua música incrível. Honestamente, estamos vivendo em um momento tão emocionante para a música. Especialmente R&B e suas muitas variações.


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@berrygalazka

RAPGOL Magazine – O que você pode nos apontar como seus maiores obstáculos, as maiores dificuldades como profissional?

PJ – Essa é uma ótima pergunta. Por um lado, sua mentalidade pode ser seu maior obstáculo quando se trata de alcançar sua definição de sucesso (porque não devemos medir nosso valor pela opinião de outras pessoas), mas também existem muitos obstáculos para jovens artistas e aspirantes a executivos da música hoje.

As questões de não morar perto de uma ‘grande cidade da música’ como Londres, LA, NYC, etc. As pressões de trabalhar para pagar suas contas e colocar toda a sua energia em ser criativo. O fato de que 70-80% de suas oportunidades podem vir de “quem você conhece” e networking.

Algumas pessoas saem na frente porque começaram cedo ou porque tinham família ou amigos no negócio. Algumas pessoas conseguem trabalhar sem remuneração e obter oportunidades por meio disso. É um mundo louco, mas só podemos fazer o que podemos.

RAPGOL Magazine – Com quantos artistas você já trabalhou até agora? Conte-me mais sobre eles.

PJ – Uau, quero dizer que provavelmente falei com mais de 250 artistas nos últimos 18 meses. Não sei se é muito ou não, mas tento o meu melhor para responder a cada DM e tweet! Porém, isso é apenas nas mídias sociais e você nem sempre pode dar seus melhores conselhos com a quantidade limitada de informações que obtém.

No momento, eu gerencio oficialmente uma artista chamada Berry Galazka, que é uma incrível superestrela pop-punk-rock-rap polonesa-americana que por acaso mora em Londres. 

Estou trabalhando oficialmente para desenvolver duas artistas incríveis chamadas Kamona e Cyan, que são duas das minhas amigas mais próximos e confiáveis na indústria e, quando este artigo for publicado, espero ter adicionado mais alguns artistas interessantes à minha lista.

O Twitter me permitiu interagir com tantas pessoas de todo o mundo, então tenho muita sorte.

https://www.youtube.com/watch?v=tSN-rYS48e8

RAPGOL Magazine – Aqui no Brasil, principalmente nos últimos anos, temos uma onda de jovens das periferias e favelas com muito talento, tanto no underground quanto no mainstream. Você poderia explicar um pouco sobre a cena da música independente no Reino Unido?

PJ – Alguns dos artistas mais talentosos ainda nem gravaram sua primeira música! É uma loucura, mas é assim que eu sempre vejo, sempre há alguém esperando que uma oportunidade seja dada a eles, sempre há alguém cuja criatividade está esperando para sair, mas não teve a chance.

As chances de alguém ‘conseguir’ sem apoio financeiro ou da indústria ainda são muito baixas, precisamos mudar isso. Como alguém tão novo na cena musical em geral, não gostaria de me aprofundar muito aqui, pois acho que há muitas pessoas que poderiam explicar melhor.

Mas pelo meu pouco tempo na indústria posso te dar alguns pontos:

  • Infelizmente, a indústria da música no Reino Unido é principalmente centrada em Londres, então poucos artistas de fora de Londres são reconhecidos ou colocados nos mesmos palcos que seus colegas de Londres.
  • A cena da música independente é ENORME, temos tantos artistas vivendo por sua arte e paixão todos os dias. Há shows todas as semanas em todos os cantos do Reino Unido!
  • O ‘underground’ é um mundo louco e multifacetado, só vimos o começo.

RAPGOL Magazine – O que você sabe sobre a música brasileira? Quais artistas você conhece?

PJ – A música brasileira é incrível, é emocionante, enérgica, e qualquer pessoa que cante em sua língua nativa tem todo o meu apoio. Precisamos mudar esse foco na ‘música que fala inglês’. 

Para ser sincero, não tenho ouvido muita música do Brasil ultimamente, mas uma artista que me deixa super empolgado é a Nathi, ela é uma produtora incrível, multi-instrumentista e canta como um anjo.

Se você realmente quer explorar a música do Brasil, minha colega e amiga Aisha Fraga (@aishafraga) é a pessoa certa! Além disso, uma influência muito interessante na música do Reino Unido é o Baile Funk, onde você pode ouvi-lo em artistas como Blanco e Jafro.

RAPGOL Magazine – Como você vê a indústria da música após o advento das plataformas digitais de streaming?

PJ – O streaming tornou-se um ‘mal’ necessário no ecossistema musical. É negativo porque acredito que mudou a forma como as pessoas veem os artistas e suas músicas. Comprar um CD ou uma fita antigamente era algo que você economizava dinheiro, era mais como um presente ou um privilégio.

Agora, pelo preço de um CD, você tem acesso a todas as músicas já feitas! Faz a música parecer mais descartável. Ao mesmo tempo, agora é mais fácil do que nunca alguém ouvir sua música! 

Você poderia fazer uma música em seu quarto hoje à noite e amanhã o TikTok poderia compartilhá-la em todos os países do mundo. Precisamos usar isso a nosso favor e não deixar que os números e algoritmos nos controlem.

RAPGOL Magazine – E quais dicas e conselhos você daria para artistas independentes que gostariam de se profissionalizar cada vez mais?

PJ – Eu diria que seus primeiros anos como artista são os mais importantes, eles te preparam para o sucesso ou o fracasso (embora estes nunca sejam permanentes). Se você tem algum sonho de pagar suas contas ou comprar uma casa para um amigo com sua música, você precisa começar a olhar para o lado comercial desde o início.

MAS, sua própria música raramente lhe dará tanto lucro nos primeiros 10 anos, talvez até mais, a menos que algo realmente excepcional aconteça. Daí porque tantos artistas usam outros talentos ou habilidades para abrir negócios e colaborar com outras pessoas.

Ao mesmo tempo, não quero que ninguém se sinta pressionado a “ganhar dinheiro” com algo que realmente ama. Não parece certo. Muitas pessoas, infelizmente, perdem o amor pela arte quando ela começa a se tornar um ‘trabalho’.

Meu conselho é aprender como a indústria funciona, fazer networking (muito) com artistas e produtores do seu nível, desenvolver uma marca online que seja autêntica para você e não falsa. Faça o máximo possível de músicas diferentes.

Por favor, por favor, não dependa de dinheiro para financiar coisas e não gaste dinheiro apenas com qualquer coisa, você precisa se sentir confortável trabalhando com orçamento zero desde o início. Faça sua pesquisa sobre todos e qualquer um.

Não confie apenas em alguém que envia e-mails ou DMs dizendo que trabalha para uma gravadora ou deseja contratá-lo. Faça sua pesquisa e fale com pessoas diferentes. Procure sempre aconselhamento jurídico de um advogado especializado em música em relação a quaisquer acordos ou contratos. Esta é a sua vida com a qual você está lidando e você é o único responsável por ela.


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@cyanofficially


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@kamonamusic

RAPGOL Magazine – Aqui na RAPGOL Magazine não deixamos o futebol de lado. Nesse sentido, gostaria de saber se você acompanha o esporte e se tem paixão por algum clube específico.

PJ – Infelizmente, não sou um grande seguidor de futebol. Mas vou destacar ArsenalHull City (para Chiedu) e a seleção paraguaia, pois eles têm um lugar próximo no meu coração.

RAPGOL Magazine – Quais são as suas camisas favoritas do clube?

PJ – Qualquer uma cor de rosa!

RAPGOL Magazine – O que um artista independente hoje precisa ter hoje em dia?

PJ – Você precisa ter uma presença na mídia social, não me importa a frequência com que você posta ou se parece ‘legal’ ou não. Eu só quero saber se você entende o valor disso. Todos nós odiamos estar online, mas isso irá beneficiá-lo, confie em mim!

Artistas independentes precisam saber se apresentar no palco, precisam praticar de verdade e cuidar da voz e da saúde. Tenha uma mentalidade saudável e a capacidade de DESCANSAR.

RAPGOL Magazine – E o que não pode ter?

PJ – Os artistas precisam parar de fazer duas coisas, postar suas músicas sem introdução ou contexto. E dizendo que eles são ‘os melhores’ sem motivo. Ninguém vai acreditar até que todo mundo acredite.

RAPGOL Magazine – Há alguma novidade sobre o seu trabalho que você poderia compartilhar com o público?

PJ – Muitas fundações do Reino Unido, eu quero trabalhar com as pessoas que se importam com o R&B do Reino Unido, como Rhythm In BritainNeo Music GroupWe Are SoulLEV3LS e muitos mais. Quero realmente construir algo que dure e ajude as próximas gerações de artistas e executivos.

RAPGOL Magazine – Muito obrigado por reservar um tempo para esta entrevista. Gostaria de deixar uma mensagem para o público brasileiro?

PJ – Eu te amo Brasil! Mal posso esperar para visitar! Continue fazendo arte incrível e apoie os artistas locais

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Jornalista, nascido no Centro do Rio em 1990. Já passou por veículos de comunicação impressa e também pelo rádio.

Torcedor do Grêmio, amante do futebol latino-americano e inglês.