Albarte
Autor – Roger Morais
Albarte é o nome artístico de Raphael Albuquerque, mais um cria das ruas da Zona Norte do Rio, mais especificamente do bairro de Guadalupe. Atua praticamente a vida toda com a arte, mais especialmente a pintura. Suas obras conseguem trazer o reflexo que muitos moradores, principalmente os jovens, são obrigados a vivenciar e encarar diariamente nas complexas ruas e comunidades periféricas do Rio de Janeiro. Atualmente o jovem é graduando no curso de Belas Artes pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e também vem se especializando na Escola de Artes Visuais do Parque Lage e também pelo Galpão Maré, onde estuda História da Arte Periférica. E com esse talento na pintura, o artista tem conseguindo deixar seus feitos registrados e alcançado olhares em todos os locais. Suas obras geralmente são feitas em telas ou quadros, que retratam não apenas sua visão de mundo, mas todo um contexto dentro de um cenário compartilhado por muitos favelados. Além disso, é uma pessoa apaixonada por música, razão pela qual possui já alguns trabalhos na pista, feitos em parceria com alguns lançamentos musicais. E é com um imenso prazer que a RAPGOL Magazine vem apresentá-los essa entrevista bem sincera que fizemos com Albarte, onde nos explicou um pouco sobre o seu início nas artes, suas referências, o método de trabalho, entre outros assuntos. Confira abaixo.
ROGER MORAIS
RAPGOL Magazine – Gostaria de agradecer imensamente por parar para conversar conosco. Poderia explicar um pouco para quem ainda não lhe conhece, quem é o Albarte e de onde ele vem? Albarte – Primeiramente eu que agradeço pelo convite e pelo espaço, é de grande importância que artistas pretos, periféricos/favelados possam falar sobre sua correria e seu trabalho, e falando um pouco sobre mim, sou artista plástico, atualmente desenvolvo trabalho de pintura e direção criativa, sou do complexo do chapadão, Guadalupe, zona norte do Rio de janeiro. RAPGOL Magazine – Quando foi exatamente que você se tocou de fato que o seu caminho estava na arte e o que lhe chamou a atenção para isso? Albarte – O fato de seguir na arte como um caminho de vida mesmo, de forma de trabalho, surgiu tem 4, 5 anos mais ou menos. Porém, em 2016 eu já estava fazendo minha primeira exposição coletiva pelo evento “Artrash” na Zona Oeste do Rio de janeiro, um evento que tenho muito carinho e que me colocou em contato com diversas pessoas, podendo conhecer vários artistas. Mas acredito que meu desejo por fazer arte surgiu um pouco antes de 2009 mais ou menos, pelo menos é o que eu lembro né? Lembro que em 2009 eu comecei a sair em uma turma de bate-bola aqui da área e ia pro barracão estampar os panos, colocar glitter, montar aquela fantasia toda, via minha mãe costurar também. E paralelo a isso eu jogava muito RPG, todo dia praticamente, então eu criava essas histórias no RPG e desenvolvia essa parte artística no barracão me preparando para Carnaval, acredito que isso tenha sido realmente um ponto forte para eu entrar nesse mundo artístico.
RAPGOL Magazine – Quais são as suas principais referências/influências pessoais e profissionais? Albarte – Como eu citei antes, influências pessoais foi o Carnaval, bate-bola, jogar RPG mesmo e as paradas que vivenciava em casa, minha mãe (Fabiana) final de semana arrumava a casa e sempre colocava muita música, então eu cresci ouvindo Alcione, Jorge Aragão, Fundo de Quintal, Djavan, Ana Carolina, Mart’Nália. E na rua ou sozinho, escutava muito funk. Meu tio João é DJ e apresentou pra mim e pros meus primos aqueles Hip-Hop gringo da década de 90/2000 e isso também me influenciou bastante. Hoje busco muita referência na minha favela e de artistas que estão produzindo no mesmo tempo que eu, nas artes plásticas, na literatura, no audiovisual, etc, gosto muito de visar referências nacionais e de pessoas que estão no meu alcance. Vou deixar maior listão aqui de artistas/projeto/marca foda pra galera ter quem estudar, artistas que eu acompanho e me inspiram de diversas formas, seja na questão estética, conceitual e até mesmo pessoal: Tem a Rafaela Pinah, Caio dos Anjos, Jean Prado, Surya, Jônatas Moreira, Rafael Acioly, Monique Ribeiro, Jessé Andarilho, Baraúna, Helen Salomão, Amanda Bolonha, Geancg, Calvet, Sagace, Luna Bastos, Jota, Elian Almeida, LuaraBrandão, JeffersonMedeiros, Bastardo, Melissa Oliveira, Pierry Almeida, Alencar, Maxwell Alexandre, Geovani Martins, LabJaca, Olha o Corre, Anime Dicria e Coletivo Coé.
RAPGOL Magazine – O que você mais busca passar como mensagem em suas obras? Tem ideia da quantidade de trabalhos que tem produzido até aqui? Albarte – Meu foco principal atualmente é passar nas minhas obras, minha história e a história da favela, contada por mim e não por pessoas de fora, como já aconteceu diversas vezes na história da arte e acontece até hoje, a famosa apropriação. Meu interesse é esse, conscientizar pessoas do meu meio a partir das minhas obras, poder partilhar o conhecimento que recebo com as pessoas que estão aqui na favela e que não tem nem a metade desse acesso. Acho que eu vou tendo ideia da quantidade de trabalhos aos poucos, porém, o que eu já fiz, não chega nem perto do que eu tenho pra fazer ainda, tenho muita coisa pra colocar na pista. RAPGOL Magazine – Quanto tempo você leva geralmente para concluir uma pintura? Albarte – Isso é relativo demais, depende muito do tamanho da obra, da minha disponibilidade, se é um projeto grande pra uma marca/empresa ou se é um trabalho pessoal, depende. Tem obras que consigo fazer em uma semana, e projetos que demoram seis meses ou mais, e isso eu estou falando em questão técnica, porque acredito que em questão conceitual, a arte é interminável, ela sempre vai adquirindo mais conceito, cada pessoa que passa por ela deixa um pouco de si e leva um pouco dela.RAPGOL Magazine – Você está se formando em Belas Artes pela UFRJ, possui passagem pela Escola de Artes Visuais do Parque Lage, atuando ainda no Galpão Maré, um projeto do Observatório de Favelas. Como foi e tem sido para você essas passagens por esses locais e qual a importância da aquisição de todo esse conhecimento na sua vida? Albarte – Sim, cada lugar estou tendo uma formação diferente. Na Escola de Belas Artes da UFRJ, onde eu estou cursando Pintura, é um ensino muito mais acadêmico, enquanto na Escola de Artes Visuais do Parque Lage que faço a oficina Antiformas de Intervenção com David Cury, é um ensino mais livre, então tem esse contraste. E no Galpão Bela Maré estou estudando História da Arte Periférica com a professora Bruna Costa. Está sendo muito enriquecedor e satisfatório estar nesses lugares, olhando pra trás e vendo de onde eu sou, é realmente uma conquista imensa poder acessar esses lugares e esses conhecimentos que são negados pra pessoas pretas marginalizadas. Eu nunca tive acesso a essas paradas, sempre estudei em escola pública, dificilmente tinha passeio, então não tinha costume de ir em teatro, museu, de estar em contato com arte o tempo todo, vim ter mais acesso a isso a uns seis anos. E estar podendo estudar nesses lugares é incrível, meu desejo é adquirir ainda mais conhecimento pra trazer pra favela, não ser uma exceção aqui dentro e sim esse fio condutor para outras pessoas. RAPGOL Magazine – Quando você passou a receber as primeiras encomendas? Como você trabalha atualmente nesse sentido? Albarte – Se eu não me engano, minha primeira encomenda mesmo deve ter sido em 2016/2017, que eu fazia mais desenho, aí sempre rolava aqueles pedidos de fazer desenho pra tatuar e coisas do tipo. Mas hoje em dia eu trabalho com diversas coisas dentro da arte, pintura, direção criativa, ilustração, etc.
RAPGOL Magazine – Muitas pessoas devem estar curiosas sobre… Com quais ferramentas e instrumentos você costuma preparar e confeccionar suas obras? Albarte – Eu tô entrando nesse mundo da ilustração “agora”. Estava com o notebook muito ruim e graças ao meu trabalho, fiz contato com um pessoal da Austrália e uma empresa me doou um ipad, agora estou desenvolvendo melhor esses estudos digitais. Mas eu gosto muito de pintura física mesmo, é minha base. Pinto com tinta óleo, as vezes pinto em tela, papelão, madeira, papel, qualquer parada que tiver ali naquele momento eu vou estar pintando. Considero a tinta óleo um material um pouco chato de manusear, pelo menos diversas pessoas que eu conversei fala a mesma coisa, e é um material tóxico também, mas se tiver interesse em pintar a óleo e não souber, pode me mandar mensagem lá no Instagram que eu explico como eu faço, e também não precisa ser necessariamente óleo, pode ser outras também, acrílica, guache, aquarela, lápis de cor, é só mandar mensagem. RAPGOL Magazine – Quem lhe acompanha observa que a música faz parte da sua correria e de sua vivência. Inclusive existem trabalhos seus em colaboração com alguns artistas. O que você tem mais escutado e quais são as suas principais influências? Albarte – Sim, ouço música quase 24h por dia (risos). Uns dois anos atrás tinha o desejo de fechar com a galera da música, de estar mais dentro desse universo mesmo além das artes plásticas, no caso não queria fazer música e sim dirigir clipe, fazer capa, etc. A partir do Gordão ZN, conheci a Missão Ent., uma gravadora de Parada de Lucas, Zona Norte do Rio, e pude fazer capa e dirigir trabalhos de alguns artistas como o próprio Gordão, Fosco e Gênesis, que também são uma das minhas referências da área. Fiz minha primeira capa de música em 2021 pra música “Direct” do Gênesis, e tem muita coisa pra sair ainda com esses três, pode ter certeza. Eu consumo muita coisa nacional de rap em si, tanto Trap, Grime, Drill, mas também gosto muito de MPB, Samba e Funk, minhas referências na música, são pessoas que eu tenho contato ou que tão no mesmo corre que eu, como os três que citei a cima, tem a Juju Rude, Vitin, Diuzi, N.I.N.A, AjuliaCosta, Sant, Cristal, LEALL, VND, Murica, etc.
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RAPGOL Magazine – O que não pode faltar em sua playlist? Albarte – Música nacional com certeza. Muito rap, drill, trap, grime, MBP e o 150BPM carioca né, as vezes escuto algumas da gringa, mas não é meu forte, gosto muito de ouvir as músicas nacionais também da década de 70, 80, 90 pooo, muito bom. Mas tem vários nomes aí que eu consumo muito, Djavan, Luedji Luna, Rico Dalasam, Gal Costa, Jorge Ben Jor, Liniker, Xênia França, Milton Nascimento, Cartola, tem muita gente, mais esses acham que são os principais. RAPGOL Magazine – Você materializou a pintura intitulada “MGH ZN RJ”, que inclusive ilustra a arte da capa da faixa “Revoada” do cantor Vitin, mostrando mais uma vez a sua ligação com a música. Quanto tempo levou e como foi o processo de produção da obra? Albarte – Sim, inclusive foi uma honra poder desenvolver esse trabalho, eu estava a mais de um ano sem pintar por diversas questões e o Vini Morais me fez esse convite. Eu já queria trabalhar com o Vitin e com a galera de Manguinhos tinha um tempo, aí chegou esse convite e o processo todo de pensar na obra, da produção da música com o Vitin, etc, demorou em torno de 6 meses mais ou menos. Foi muito bom fazer esse trabalho, eu recebi a música, fiquei escutando algumas vezes pra sentir o que ela queria passar mesmo e consegui ir montando esse quebra-cabeça. A pintura nada mais é do que um retrato do evento “Revoada de Manguinhos” junto com tudo que o Vitin, a N.I.N.A e o Xandy MC falaram na música com o beat do Chris Beats ZN, tanto que se você colocar a música pra tocar e tiver diante da pintura, você vai conseguir identificar vários pontos da música dentro. da pintura, eu gosto muito de fazer esse processo.
RAPGOL Magazine – Todas as suas obras de arte estão a venda?
Albarte – Não, só algumas, não costumo muito vender obras atualmente, mas também estou aberto pra propostas, qualquer coisa é só mandar uma dm lá no Instagram ou e-mail, porém, estou com as encomendas abertas, se quiser encomendar alguma pintura, é só mandar mensagem. RAPGOL Magazine – Tem algum trabalho que você considere o seu mais importante até aqui? Albarte – Não, acho que é aquela parada, cada um tem uma importância individual e especial pra mim, “Descartáveis” é uma obra de bastante impacto pra mim e de muita importância porque foi a obra que deu vida a uma série gigante que é a série “Onde tudo acontece“. Porém, tem diversas pinturas dentro dessa série que eu gosto muito, como a “MGH ZN RJ“, a série “Herança“, a série “A gota” tem muita série e obras que eu tenho muito apego, falar de uma só é difícil demais (risos). RAPGOL Magazine – Você possui algum time do coração? Se possui, explica pra gentecomo surgiu essa paixão? Albarte – Não tenho tanta ligação com o futebol, então quase não acompanho, só época de copa mesmo, mas se fosse pra torcer pra algum time, seria Flamengo por tradição da família mesmo.
RAPGOL Magazine – Existe algum momento do futebol que você possa dizer que jamais vai sair da sua cabeça? Albarte – O 7×1 é inesquecível (risos), mas um momento que sempre vou guardar era a época de Copa quando eu era mais novo. As ruas todas pintadas, geral na pista curtindo, usando a camisa amarela sem ser associado ao governo atual. Era bom demais, inclusive temos que voltar a pintar as ruas em época de copa e usar a camisa amarela, pegar de volta o que é nosso. RAPGOL Magazine – Pelo andar da carruagem, acredita que o Brasil possa conquistar esse ano o hexa lá no Catar? Albarte – Eu espero né, tomara que o Brasil realmente ganhe o hexa e que esse governo caia, só assim pra gente ir pra pista com nossa amarelinha feliz de novo. RAPGOL Magazine – Seu mais recente trabalho, intitulado “Vocês foram silenciadores”, traz uma reflexão muito importante sobre a literatura marginal, agindo como resistência contra um Estado que o tempo todo a tenta silenciar. Poderia nos contar mais sobre essa obra e também da série a qual ela pertence? Albarte – Gosto muito dessa obra porque acho ela muito bonita esteticamente e o conceito nem se fala. O título “Vocês foram silenciadores” vem do verso do Djonga, da música “Corra“. Essa obra surge do entendimento de que quando pessoas pretas e faveladas acessam o conhecimento, de uma forma autodidata ou a partir da faculdade e lugares elitistas que excluem a gente, começamos a enxergar outro mundo e começamos a ver que tem muita coisa errada nesse sistema, que consequentemente na maioria das vezes leva algum tipo de embate contra um sistema autoritário, agressivo e excludente que faz de tudo pra silenciar a gente. Coloquei o livro “Fiel” do Jessé Andarilho, escritor carioca, porque foi um livro que me identifiquei na hora e fala sobre minha vivência e de pessoas que vivem ao meu redor. Coloco a pintura, a literatura, a música e outras vertentes artísticas como forma de resistência contra esse sistema, como abordei no texto que traz o conceito dessa obra. Mesmo o sistema sendo silenciador, não seremos calados, a arte é uma das formas de resistência para o corpo preto, pobre e favelado, a arte marginal resiste. Falando um pouco sobre a série “Onde tudo acontece“, que é a série que essa obra faz parte, é uma série que trabalha várias formas do vazio: o vazio do corpo preto, pobre e favelado, as vivências que esse corpo tem dentro desse vazio. Gosto de trabalhar o contraste de várias formas, tanto na questão cromática usando o azul de fundo com o contraste laranja da pele preta, quanto o contraste do conceito que falo da dificuldade financeira a ostentação, do vazio interno e externo, solidão e ansiedade. É realmente ‘Onde Tudo Acontece’, diversas formas de exclusão e genocídio, mas também diversas formas de aceitação, conquista e resistência.
RAPGOL Magazine – Podemos aguardar mais alguma novidade do Albarte ainda este ano? Albarte – Com toda certeza, podem aguardar colaborações minha com marcas, mais pinturas, mais editoriais e exposições. Não esqueçam que minhas pinturas são feitas pra conversar pessoalmente com vocês, então não deixem de ir em exposições se puderem, pra fortalecer o corre do artista independente e a exposição, só agora em novembro tem exposição no Theatro Municipal, no Consulado da Argentina e no Galpão Bela Maré, todas essas acontecem agora em Novembro no Rio de Janeiro. RAPGOL Magazine – Gostaria de deixar alguma mensagem para quem nos acompanhou atéaqui? Albarte – Agradecer mesmo de coração. É uma honra estar aqui. De onde eu venho isso que eu tô fazendo é quase impossível. Agradecer quem me segue e acompanha meu trabalho fazendo chegar em outras pessoas, agradecer minha mãe que sempre acreditou em mim e todas as pessoas mais próximas que estão ao meu redor me dando força pra eu conseguir seguir. Quero dizer também pra quem tiver começando nas artes plásticas e tiver alguma dúvida, pode me mandar mensagem que sempre que da eu tô respondendo lá no Instagram, e dizer também pra não desistir do teu sonho, do teu corre, pra gente é realmente muito difícil, sinto isso na pele todo dia. Mas se é isso que tu acredita, não deixa de fazer e se unir com quem está no mesmo corre contigo. Sozinho é foda de manter, a gente tem que se unir, mas olhar bem também quem está ao nosso redor. As vezes as pessoas mesmo que tão do teu lado não vão estar no mesmo pique contigo, não vão acreditar no teu propósito. Mas é isso, quem não pode desistir do teu sonho é você, a gente não tem o privilégio de ficar só vivendo de sonho, a gente tem que fazer a parada acontecer o mais rápido possível, então é isso.