JESSE BERNARD
Estamos falando de um verdadeiro multiartista. Natural de Londres, no Reino Unido, Jesse Bernard é DJ, pesquisador e comunicador musical e cultural, atuando como escritor e cineasta. E sua atuação não para por aí, indo muito além.
Possui um vasto portfólio que o faz ser uma das grandes referências musicais para diversos artistas e o público em geral de seu país. Um exemplo é o radiodocumentário intitulado “The Gospel Of Grime”, pela emissora BBC, onde traça um panorama sobre a migração da black music e quais os limites que ela pode atingir, desde as músicas tradicionais das igrejas negras até o grime.
E a exatamente um mês, Jesse apresentou ao público o seu mais novo documentário em forma de filme, chamado “COMO VOCÊ“, produzido em parceria com a WeTransfer, onde retrata sua visão sobre a construção da cena do grime no Brasil.
Para isso precisou passar por um considerável período de tempo pelo país. Conheceu a viviência e colheu de depoimentos de DJs, produtores musicais e executivos, além dos cantores que estão fazendo o grime acontecer por aqui. Tudo em um curta metragem de quinze minutos que merece muito ser assistido.
Nesse sentido, nós da RAPGOL Magazine não poderíamos deixar passar batida a oportunidade de conversar com o artista, fazendo essa conexão entre o Brasil e a Inglaterra. Em uma conversa bem sincera, Jesse Bernard fala sobre diversos assuntos, entre eles sua origem, referências, a produção do documentário no Brasil, seus gostos pelo futebol e seu clube do coração, o Arsenal, e claro, sobre grime.
ROGER MORAIS
RAPGOL Magazine – É uma imensa satisfação poder trocarmos essa ideia. Primeiramente,
gostaríamos de saber um pouco quem é o Jesse, de sua origem, e em que
áreas você trabalha atualmente.
Jesse Bernard – Sou um artista de Londres que trabalha predominantemente com música e cultura. Eu diria que sou cineasta, escritor, DJ em primeiro lugar, mas faço uma variedade de coisas que alimentam isso.
Também tenho trabalhado com jovens nos últimos anos lidando com questões que os afetam. Eu acredito em retribuir em qualquer capacidade, então não importa em que estágio eu esteja na minha vida e carreira, sempre estarei fazendo um trabalho que envolva a comunidade.
RAPGOL Magazine – Quando foi que você decidiu trabalhar de fato com a música?
Jesse Bernard – Eu sabia que sempre quis trabalhar com música de alguma forma, mas nunca soube como entrar nisso e o que exatamente eu queria fazer.
Na verdade, eu sempre estive na música. Mesmo quando eu estava escrevendo letras e gravando quando adolescente, era mais do que um hobby. Eu deixei isso porque não estava tão comprometido em ser um MC, então comecei a escrever sobre música.
RAPGOL Magazine – Quais foram ou continuam sendo as maiores dificuldades enfrentadas
até aqui como profissional?
Jesse Bernard – Provavelmente sendo pago em dia. Acredito muito na ideia de que o acesso a dinheiro e recursos leva ao empoderamento e à capacidade de realizar sonhos.
Há tantas coisas que eu poderia ter feito mais cedo como artista profissional se tivesse os recursos para fazer e criar coisas.
RAPGOL Magazine – Quais são as suas maiores referências quando o assunto é música?
Jesse Bernard – Para mim, são meus pais. Quando eu olho para trás na minha infância e algumas das minhas memórias mais fortes, a música sempre desempenhou um papel. Minha mãe era a cabeça de soul e R&B enquanto meu pai era o mestre do reggae na minha casa.
Lembro-me de gravar música em fitas cassete quando criança. A música sempre foi minha maneira de entender o mundo e a sociedade ao meu redor. Eu realmente não tenho artistas ou músicas favoritas porque há muita coisa a que eu fui exposto ao longo dos anos.
“COMO VOCÊ” transporta o público europeu para a cena do Grime no Brasil
https://www.youtube.com/watch?v=BEwDiI-8sxI
Ao longo dos últimos anos o grime britânico teve forte influência e crescimento em festas underground por todo o Brasil. Com isso, diversos artistas brasileiros abraçaram o gênero e sua cultura, dando um toque próprio de acordo com as particularidades de cada região.
Isso chamou tanto a atenção de Jesse que o motivou à produção de “COMO VOCÊ“, um documentário em forma de filme, feito em parceria com a WeTransfer, com duração de quinze minutos que retrata a construção da cena do grime aqui no país.
Para isso, teve que permanecer por um considerável período de tempo no Brasil para vivenciar tudo isso, colhendo depoimentos de artistas que são figuras carimbadas aqui na RAPGOL Magazine, como: Peroli, D r o p e, o pessoal do Brasil Grime Show, CESRV,SD9, Sena MC, Lei di Dai, MC Smith e Febem.
Além do curta metragem, Jesse Bernard publicou ainda um artigo onde relata toda a experiência vivida e os aprendizados que adquiruiu durante sua visita ao Brasil.
RAPGOL Magazine – Você passou uma temporada no Brasil para lançar o documentário “COMO VOCÊ”, que retrata a construção da cena do Grime no país. Quanto tempo
levou e como foi o processo de criação deste trabalho?
Jesse Bernard – No geral, levou cerca de seis meses para ser feito, o que é bastante longo para um filme de quinze minutos, mas havia muitas maneiras de contar essa história.
Naturalmente, a história com a qual comecei não foi a história com a qual acabei, mas o processo em si foi desafiador por causa das diferentes formas de trabalhar no Brasil em comparação com o Reino Unido.
RAPGOL Magazine – Qual foi para você a parte mais difícil na construção do
documentário?
Jesse Bernard – Para ser honesto, a parte mais difícil foi deixar muitos artistas de fora do documentário. Tínhamos apenas quinze minutos para trabalhar em termos de tempo de execução, então nem todos apareceram no documentário.
Eu vi alguns comentários aqui e ali sobre como certas pessoas deveriam estar no documentário, mas no final das contas, não é sobre um indivíduo ou artista, é sobre a cena e se você faz parte então esse deve ser o foco. Mas acho que o filme foi uma boa representação do que está acontecendo no Brasil.
RAPGOL Magazine – O que te motivou a produzir essa obra?
Jesse Bernard – Acho que queria expressar meu amor pelo Brasil e pela música de uma forma que fizesse sentido, especialmente por ser uma pessoa de fora.
Estou sempre tentando evoluir e crescer como artista e acho que me cansei de escrever histórias para as pessoas lerem quando soube que tinha a capacidade de contar histórias através do filme.
RAPGOL Magazine – Qual a grande diferença e a maior semelhança entre o Grime do Reino
Unido e o brasileiro na sua opinião?
Jesse Bernard – A influência do baile funk é a principal diferença entre os dois, não tem grime brasileiro sem funk. É como você não pode ter Grime do Reino Unido sem o Garage e o Jungle. Mas o que conecta o grime britânico e brasileiro é que ambos derivam da cultura do soundsystem.
RAPGOL Magazine – Diferentemente do Rap, onde MCs duelam entre si em batalhas de rima, no Grime o palco de encontro ocorre com muita frequência nas rádios, onde são trocadas experiências entre os artistas. Foram inclusive elas que foram palco de grandes cantores que lá no início eram iniciantes. Como você enxerga o papel do rádio para esse gênero musical?
Jesse Bernard – O rádio é incrivelmente importante para o grime, é o campo de treinamento para o palco. É um rito de passagem para os MCs do grime irem para o rádio e quando mais MCs no Brasil fizerem isso, isso só tornará a cena mais forte.
Brasil Grime Show e Veneno Radio fazem isso muito bem, mas deveria haver mais plataformas para os artistas irem ao rádio, mas isso requer recursos e espaços. É isso que eu gostaria de fazer com “COMO VOCÊ” no Brasil, ajudar a aproximar MCs britânicos e brasileiros.
RAPGOL Magazine – Como os artistas brasileiros que produzem Grime estão sendo vistos pela Europa?
Jesse Bernard – Todos aqui estão inspirados e animados com o que está acontecendo no Brasil.
Às vezes, é preciso outro grupo de pessoas experimentando algo que vem de sua própria casa para realmente apreciar o valor de sua música. Vai ser um grande momento para o grime em todo o mundo quando os artistas do Reino Unido se inspirarem no que está acontecendo no Brasil.
RAPGOL Magazine – Como você vê a migração para o Grime de diversos artistas que até
então eram de outros estilos como o Trap, por exemplo?
Jesse Bernard – Eu acho que o grime se tornou algo legal no Brasil, então os artistas queriam ver se eles poderiam tentar fazer isso. Mas o grime é muito diferente do rap e a maneira como as pessoas cospem e fluem é muito mais rítmica, então para algumas pessoas, elas acham difícil passar do trap para o grime.
Enquanto um MC de grime pode fazer rap em outros estilos porque a estrutura de rima é diferente. Você descobre que a maioria dos rappers e MCs no Reino Unido veio de um passado sujo porque era assim que estávamos cuspindo nos playgrounds, não estávamos fazendo rap como os americanos fazem quando fazem freestyle.
RAPGOL Magazine – Brasileiros e britânicos são apaixonados por futebol. É nítido observar que o Grime e o esporte mais popular do planeta são interligados, seja dentro de campo, quanto nas ruas e nos clipes, em especial a cultura do sportwear, onde estão presentes as camisas e tracksuits de times de futebol. Poderia nos mostrar sua visão sobre essa
síntese?
Jesse Bernard – Acho que a paixão por futebol e grime é muito mais distinta no Brasil por causa do amor natural pelo jogo no país. No Reino Unido, temos pessoas apaixonadas por futebol, mas é mais o elemento sportswear.
Historicamente, usamos agasalhos porque são confortáveis e onipresentes – dê-me aqueles sobre roupas extravagantes em qualquer dia da semana. Como o grime vinha das propriedades do conselho de Londres, muitas das crianças nesses lugares estavam sempre jogando futebol e vestindo agasalhos, mas isso também era um sinal de classe no passado, principalmente a classe trabalhadora.
RAPGOL Magazine – Qual o time do seu coração e porque?
Jesse Bernard – Arsenal. Não há por que, porém, eu não apoiaria nenhum outro time além do Arsenal. Eles fizeram parte de algumas das minhas memórias de infância mais fortes e, quando jovem negro, vi partes de mim em Ian Wright e Thierry Henry. Em 2002/3, quando a maioria do onze inicial era preta, isso significava muito.
RAPGOL Magazine – Quais os seus três atletas favoritos?
Jesse Bernard – Kobe Bryant, Allen Iverson e Muhammad Ali.
RAPGOL Magazine – Diga para nós quais são as camisas de time prediletas.
Jesse Bernard – Arsenal quando se trata de futebol, obviamente. Mas eu também amo as camisas da NBA, algumas das minhas favoritas são as camisas dos Lakers dos anos 90, as antigas camisas do Vancouver Grizzlies, do New York Knicks e as camisas dos Detroit Pistons dos anos 90 também.
RAPGOL Magazine – Como funciona a divisão dos times e dos respectivos bairros aí em
Londres?
Jesse Bernard – Londres tem treze equipes profissionais, o máximo que qualquer cidade do mundo tem. A maioria dos times de futebol em Londres foi criada em bairros locais, mas alguns se mudaram muito.
Arsenal foi originalmente baseado no sul de Londres, mas mudou-se para o norte de Londres no início do século 20. Atualmente, existem sete equipes de Londres na Premier League, mas esse número geralmente muda, pois Arsenal, Tottenham e Chelsea são as únicas equipes que não foram rebaixadas desde o início da liga.
RAPGOL Magazine – Como está a sua expectativa para a seleção inglesa nessa Copa do
Mundo no Catar?
Jesse Bernard – Acho que eles vão se esgotar e não passarão das semifinais, se é que isso acontece. O calor no Catar vai trabalhar contra eles e não tenho certeza se eles podem continuar o ritmo que tiveram desde 2018. Não acho que Gareth Southgate seja o gerente para levá-los à terra prometida, mas tenho esperança.
RAPGOL Magazine – Diga um momento do futebol que jamais vai sair da sua memória.
Jesse Bernard – Arsenal vencendo a FA Cup 2014 (Copa da Inglaterra) depois de nove anos sem ganhar nada. Fui ao desfile de comemoração no Emirates e isso me lembrou por que amo tanto o clube. Corri pela rua em frente à minha casa quando Aaron Ramsey marcou o gol da vitória, eu poderia até ter chorado.
RAPGOL Magazine – Quais são os seus jogadores brasileiros prediletos?
Jesse Bernard – Gilberto Silva, Kaka, Roberto Carlos, Ronaldo e Ronaldinho.
RAPGOL Magazine – Qual o momento mais marcante de sua última passagem pelo Brasil
para a produção do documentário, e qual aprendizado você adquiriu de toda essa experiência?
Jesse Bernard – Um dos meus momentos mais memoráveis foi estar no Baile do Brime em São Paulo em abril. Eu vi os estágios iniciais do BRIME sendo construídos e testemunhar tudo isso em um cenário ao vivo foi incrível.
Eu vi o poder do grime durante este momento. Definitivamente, aprendi muito com essa experiência, cometi alguns erros, mas agora sei como seguir em frente.
Quando eu voltar, quero trabalhar com mais pessoas e acho que fiquei um pouco retido porque nem sempre confiei na minha intuição.
RAPGOL Magazine – Você é um grande pesquisador musical e comunicador, e há anos está
nessa rotina. Quais conselhos você pode dar para os jovens que desejam seguir o mesmo caminho?
Jesse Bernard – Confie na sua voz e apoie-se nela. Nenhuma outra pessoa tem a perspectiva que você tem neste mundo por causa de quão únicos somos, faça uso disso e deixe isso brilhar em seu trabalho.
Não tenha medo de colocar seu trabalho lá fora, mesmo que você não sinta que não é bom o suficiente. O fracasso é melhor do que não fazer nada.
RAPGOL Magazine – Qual será o futuro do Grime, no seu ponto de vista?
Jesse Bernard – O grime sempre estará aqui. Nunca morrerá.
RAPGOL Magazine – Quando podemos ver o Jesse de volta ao Brasil?
Jesse Bernard – Novembro estarei de volta e mal posso esperar, sinto muita falta.
RAPGOL Magazine – Qual a mensagem que você gostaria de deixar para o pessoal?
Jesse Bernard – O Brasil é uma grande parte de mim agora, está no meu coração e eu gostaria de pensar que um dia vou me estabelecer lá.