Não mudem minha música, mudem a porra do sistema

Não mudem minha música, mudem a porra do sistema
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Há algo poético em ver uma mudança na ordem estabelecida das coisas. Há algo poético em ver o estado de exceção chorar em seu fim. Em outras palavras, há algo poético em ver angolanos vencendo no país dos colonos. Citando o autor da frase do título: “Pretos a baterem no país dos brancos, já ninguém nos engana mais”, há algo poético nessa virada que, infelizmente, não é para todos. 

Prodígio é um rapper angolano que reside em Portugal. Integrante do grupo Força Suprema desde o começo da sua carreira. Ao que consta nos registros, NGA foi/é além de um mentor. NGA é uma espécie de pai para o Prodígio, sempre aconselhando e sendo citado em qualquer vitória do rapper. E, cá entre nós, ser mentorado e ter como “pai” o NGA, só significa que está em boas mãos (NGA já participou de alguns projetos com rappers brasileiros, faço menção a dois específicos que são de meu agrado: (1) Um só Coração, produção do Dj Caique com MV BILL e Kmila CDD; (2) I don´t care, produção de Madkutz com participação de Caminhante e Cabal). Porém, o foco hoje não é falar sobre a biografia de Pro2da. O foco é observarmos o que está além das telas e o que pesa por trás, o abstrato da questão. 

Assim como o Brasil, a Angola foi colonizada por Portugal. Porém, tivemos processos históricos totalmente diferentes. A independência de Brasil a Portugal foi proclamada pela própria família real para continuar com algum trono, já que o liberalismo rondava a Europa destronando os donos do privilégio. Ou seja, embora houve sangue, não é um fato que marca até os dias de hoje o cotidiano do nosso povo. Porém, na Angola as coisas foram totalmente diferentes. A primeira parte da libertação, poderíamos classificar como uma luta contra Portugal. E, a segunda, uma guerra civil. A luta pela libertação nessa primeira parte, para além de sangrenta e traiçoeira, teve apenas um lado bom: diferentes ideologias se uniram para derrotar o inimigo comum: Portugal. O clima de guerra e destruição fez com que portugueses ricos, que residiam na Angola, voltassem para a terra natal. Porém, quando Portugal foi derrotado e bateu de retirada, começou uma guerra civil que perdurou anos. A guerra civil foi protagonizada por 3 partidos que outrora foram aliados: MPLA, UNITA e FNLA. Essa parte da guerra foi a mais cruel, pois além de ser a mais sangrenta, seu inimigo agora era o seu semelhante. A guerra civil deixou muitos marcos na população, algo que é notado em qualquer produção artística (faço a recomendação de uma leitura: Essa Dama Bate Bué, de Yara Monteiro). E, uma das marcas mais significantes dessa guerra foi a grande diáspora para Portugal. Muitos colonizados foram para o país dos colonos tentar uma vida melhor e longe das mortes e bombas. 

Você deve estar se perguntando o que isso tem a ver com a Força Suprema? A resposta é clara: ninguém é uma ilha. Todo ser humano é fruto das circunstâncias – cabe lembrar que além de ser fruto, pode ser o agente transformador. Assistir aos clipes e prestar atenção as letras, é realmente algo edificante. Em seu som “Nada”, Pro2da rebate a criticas que os seus “haters” vêm fazendo há algum tempo. Críticas comuns aos rappers brasileiros, inclusive. Por exemplo: fulano se vendeu, agora só fala de dinheiro, carros, etc.. E, efetivamente, isso ocorreu: em seus primeiros álbuns, há um teor biográfico sem uma ostentação definida, porém com prêmios e dinheiro, a realidade mudou. Vamos a letra de “Nada”: “querem mudar o meu rap, mudem o bairro que eu cresci. Devolvam as pessoas que eu perdi”. Interessante pensar que muitos dos que criticam podem não estar familiarizados com essa realidade, mas sempre tem algo para apontar. Os críticos são necessários para a construção de uma comunidade artística, sem em qualquer forma de expressão. Porém, isso é lindo e controverso- ao mesmo tempo- no Rap, os críticos são rebatidos e postos na peleja. A realidade dos guetos de Angola é muito mais complexa do que a nossa vã filosofia. No clipe de “Nada”, Pro2da aparece com boa parte do bairro com ele. Como um motivo de orgulho. Uma rosa do concreto. Como, efetivamente, o “filho do rei”. 

Em um som mais recente chamado “Rap Inconsciente”, Pro2da responde e dá pista a essas críticas de forma excepcional: “sua moralidade aqui é vaidade”. O termo “moralidade” vem do latim, “mores”, que quer dizer “costumes, comportamento”. Então, os moralistas de plantão advogam a ideia de que você deve seguir uma agenda definida do que é certo ou errado. Porém, não passa de vaidade no bairro. Dizer o que pode ou não falar é apenas uma vaidade. E esse é o problema dos opressores, querer pautar o que o oprimido pode ou não fazer/dizer. 

Há algo poético em ver angolanos vencendo no país dos colonos. Até porque, o Hip Hop, quando surgiu no Bronx, surgiu como um grito dos oprimidos, como uma força libertadora, uma ponte para o futuro, um mantra para autoafirmação e, por fim, um rastro para a sobrevivência. 

O Hip-Hop não é o único movimento artístico produzido por nós, os de baixo, porém com certeza é um dos mais importantes.  E, após diversas tentativas, o “rap tuga” nada mais é do que um rap da diáspora. Colonos não sabem rimar.